quinta-feira, 27 de abril de 2017

1930 – Confissão

Só não me perdoo os pecados da infância, como aquela vez num intervalo da 3ª classe,
Em que rodeamos a miúda pobre da aldeia vizinha, cujo cabelo tinha sido cortado à naifada
Com uma tesoura de tosquia por causa dos piolhos, mijamos numa garrafa de plástico
E batemos-lhe até ela dar um gole de mijo de garoto, não me lembro de lhe ter batido,
Lembro-me que não chorou sequer e que engoliu com resignação de condenado
A sujidade das nossas almas pequenas, estes pecados nunca confessamos aos padres
E a hóstia lá ficava presa ao céu-da-boca, o único a que teremos direito,
Custa-me perdoar estes pecados vestidos de inocência e crueldade,
Mas não é o meu perdão que procuro, há sombras que justificam o meu abismo,
Se alguma vez leres isto perdoa-nos, mesmo que soubéssemos bem o que fazíamos.

Lisboa

24.04.2017


João Bosco da Silva

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