1930 – Confissão
Só não me perdoo os pecados da infância, como aquela vez num
intervalo da 3ª classe,
Em que rodeamos a miúda pobre da aldeia vizinha, cujo cabelo
tinha sido cortado à naifada
Com uma tesoura de tosquia por causa dos piolhos, mijamos
numa garrafa de plástico
E batemos-lhe até ela dar um gole de mijo de garoto, não me
lembro de lhe ter batido,
Lembro-me que não chorou sequer e que engoliu com resignação
de condenado
A sujidade das nossas almas pequenas, estes pecados nunca
confessamos aos padres
E a hóstia lá ficava presa ao céu-da-boca, o único a que
teremos direito,
Custa-me perdoar estes pecados vestidos de inocência e
crueldade,
Mas não é o meu perdão que procuro, há sombras que
justificam o meu abismo,
Se alguma vez leres isto perdoa-nos, mesmo que soubéssemos
bem o que fazíamos.
Lisboa
24.04.2017
João Bosco da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário