terça-feira, 10 de abril de 2018

Sem Merdas

É sempre bom sinal quando ando seco, quando me surge a ponta
De um poema e não tenho necessidade de o vomitar logo
E fica a ser digerido durante dias, dias em que não escrevo,
Porque não tenho fome, nem vazio para encher de barulho,
Contudo, sinto uma certa ansiedade nesses dias de Sol
Em que não me sinto amaldiçoado pela sombra de uns versos
Inevitáveis, necessários, obrigatórios, mesmo que ruins,
Não tenho espaço para melancolias, saudades, nostalgias
E conas que já me lavaram há muito e mesmo assim,
Sinto que algo em mim não está bem, sem mais umas palavras
Que não salvam nada, nem ninguém, só espelham o que não quero ver,
Depois acabo por escrever merdas destas, tão inúteis como as outras,
Mas sem um pingo de sangue, ou gota de esperma,
Sem lágrimas, contidas ou secas, sem transpirar um pêlo que seja,
Como dizer alto o próprio nome num quarto vazio às escuras,
Para confirmar que ainda se é o mesmo, depois do dilúvio.

09.04.2018

Turku

João Bosco da Silva

Green Hills 
  
É estranho que alguém que nos conhece tão bem, já não nos seja nada, 
Lembro-me daquela longa viagem entre Hollywood e San Pedro, 
Num dia de chuva, cinzento, em direção aos ossos ou a cinza de Bukowski, 
Lembro-me bem do banco onde nos sentamos do outro lado da estrada, 
Sobre um desdobrável com horários dum autocarro que não usaríamos mais, 
À espera doutro que nos levasse de regresso à última noite no hotel, 
Há manhãs que parecem de outras vidas, sonhos que parecem nunca 
Ter chegado ao sono, e eu tenho falhado tantos pequenos-almoços 
De hotel como vidas que me foram ou são, 
Comove-me agora mais o sacrifício em acompanhar-me 
A um monte relvado perto de um porto com cheiro a Matosinhos, 
Para ver uma pedra com o nome de um poeta que venceu na vida com as derrotas, 
Devia ter-lhe segurado no cabelo enquanto vomitava, 
Mas o que temos como certo, nunca foi nosso, o pão fica duro, 
E os mesmos olhos que nos desejavam esgaçar o prepúcio até à alma, 
Mais tarde fechavam a porta do quarto, plantando distâncias e culpa. 
  
Turku 
  
10.04.2018 
  
João Bosco da Silva