segunda-feira, 20 de setembro de 2010



Horas Do Fim


à Beirute,


É no silêncio da noite que se ouvem melhor os gritos

Da consciência, ou de algo com outro nome, ou sem nome,

Mas que fala de dentro, de longe, onde mora o que é verdadeiro.

Não vale a pena nem mais um segundo com palavras que nem merecem

A saliva que um dedo leva à página, que foi escrita para se vender,

Para se prostituir nas noites solitárias dos verões que morrem,

Sempre todos ao mesmo tempo, enquanto as uvas deixam o açúcar

Tornar-se álcool. Horas em que nem o vinho chegou a abrir a porta,

Nem o corpo se deixou cair nas garras do tédio, só a indiferença por cada inspiração.

Não terá valor quem já viveu muitas vidas, mais vidas que muitos mortos?

Hoje dorme-se melhor ao lado do cemitério, onde as palavras ficaram por dizer,

Onde o silêncio conta as verdades que se ignoram ao longo do dia.

O coração que não se cala, apesar de se ter desistido há muito tempo,

É a única companhia dos cães vadios que atravessam a estrada já vazia,

Enquanto os lençóis envolvem um corpo sem vontade de acender o Sol da manhã.

Nada interessa, mas nem que arranquem os nervos do poeta maior,

Que não vive mais, o toque dos dedos nas frias palavras valerá algo,

Não a estas horas. Agonizam os dias quentes, as lareiras estão vazias de calor,

As garrafas vazias a ser espelhos de gente, a roupa pelo chão de ser só um,

As portas trancadas que não esperam ninguém, os olhos fechados apesar do cérebro,

O cérebro a chamar vidas mortas, vidas que ficam apesar de o sabor ter ficado longe

E nem umas reticências são merecidas a estas horas. Que se acabem de vez

Todas as horas escuras de janelas abertas para o vazio das estrelas moribundas!

Já foi tempo, já foi tempo, agora o vazio quer ser tudo,

Como se fosse possível relembrar os momentos decisivos onde cabe deus para alguns.

É possível, mas não vale a pena, não a estas horas, a horas do fim.



20.09.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva

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