Horas Do Fim
à Beirute,
É no silêncio da noite que se ouvem melhor os gritos
Da consciência, ou de algo com outro nome, ou sem nome,
Mas que fala de dentro, de longe, onde mora o que é verdadeiro.
Não vale a pena nem mais um segundo com palavras que nem merecem
A saliva que um dedo leva à página, que foi escrita para se vender,
Para se prostituir nas noites solitárias dos verões que morrem,
Sempre todos ao mesmo tempo, enquanto as uvas deixam o açúcar
Tornar-se álcool. Horas em que nem o vinho chegou a abrir a porta,
Nem o corpo se deixou cair nas garras do tédio, só a indiferença por cada inspiração.
Não terá valor quem já viveu muitas vidas, mais vidas que muitos mortos?
Hoje dorme-se melhor ao lado do cemitério, onde as palavras ficaram por dizer,
Onde o silêncio conta as verdades que se ignoram ao longo do dia.
O coração que não se cala, apesar de se ter desistido há muito tempo,
É a única companhia dos cães vadios que atravessam a estrada já vazia,
Enquanto os lençóis envolvem um corpo sem vontade de acender o Sol da manhã.
Nada interessa, mas nem que arranquem os nervos do poeta maior,
Que não vive mais, o toque dos dedos nas frias palavras valerá algo,
Não a estas horas. Agonizam os dias quentes, as lareiras estão vazias de calor,
As garrafas vazias a ser espelhos de gente, a roupa pelo chão de ser só um,
As portas trancadas que não esperam ninguém, os olhos fechados apesar do cérebro,
O cérebro a chamar vidas mortas, vidas que ficam apesar de o sabor ter ficado longe
E nem umas reticências são merecidas a estas horas. Que se acabem de vez
Todas as horas escuras de janelas abertas para o vazio das estrelas moribundas!
Já foi tempo, já foi tempo, agora o vazio quer ser tudo,
Como se fosse possível relembrar os momentos decisivos onde cabe deus para alguns.
É possível, mas não vale a pena, não a estas horas, a horas do fim.
20.09.2010
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
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