Crónica de Ano Novo
Noite de ano novo, as passas já se digerem,
Lavadas com champanhe, doze desejos,
A ilusão de que se concretizem,
Quando não se dá sequer o primeiro passo
Para chegar à mudança que se pede,
Na televisão, há anos silenciosa, mais do mesmo,
Alguém grita num dos apartamentos do prédio,
“Hei, Hei, Ajuda”, em finlandês, parece vir de cima,
O pedido repete-se, ainda se ouvem foguetes,
“Os finlandeses quando pedem ajuda, é porque precisam mesmo”,
Diz-me a minha companheira, alguém está realmente aflito,
Saio à procura da origem daquele grito,
No andar de cima, silêncio, em baixo a televisão,
O pedido torna-se quente, mais dois andares em baixo,
É certamente o velhinho que mora sozinho,
Vi-o uma vez de andarilho, segurei-lhe a porta
E fingiu nem me ver, bato à porta e confirmo,
Tinha caído, sozinho, na noite de ano novo,
Ligo às autoridades, passados minutos, vêm em auxílio,
Então regresso à minha caixa, invisível,
E continuo no champanhe, mais duas "ginebras"
Lembro-me por alguma razão do Leopoldo María Panero,
Quantas vezes no trabalho recebemos quem fica no chão dias a
fio,
Rabdomiólise, hipotermia, hipernatremia, insuficiência renal,
Úlceras de pressão, necrose, acidose metabólica, hipoglicemia,
E tanto mais nos pode trazer a solidão de uma simples queda,
Hoje enquanto comia a meias uma tangerina com a minha filha,
Olhando a neve fresca deste ano novo,
Esboçava mentalmente esta pequena crónica de ano novo,
Pareceu-me um poema, mas afinal é apenas isto.
01/01/2025
Turku
João Bosco da Silva