quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

 

Crónica de Ano Novo

 

Noite de ano novo, as passas já se digerem,

Lavadas com champanhe, doze desejos,

A ilusão de que se concretizem,

Quando não se dá sequer o primeiro passo

Para chegar à mudança que se pede,

Na televisão, há anos silenciosa, mais do mesmo,

Alguém grita num dos apartamentos do prédio,

“Hei, Hei, Ajuda”, em finlandês, parece vir de cima,

O pedido repete-se, ainda se ouvem foguetes,

“Os finlandeses quando pedem ajuda, é porque precisam mesmo”,

Diz-me a minha companheira, alguém está realmente aflito,

Saio à procura da origem daquele grito,

No andar de cima, silêncio, em baixo a televisão,

O pedido torna-se quente, mais dois andares em baixo,

É certamente o velhinho que mora sozinho,

Vi-o uma vez de andarilho, segurei-lhe a porta

E fingiu nem me ver, bato à porta e confirmo,

Tinha caído, sozinho, na noite de ano novo,

Ligo às autoridades, passados minutos, vêm em auxílio,

Então regresso à minha caixa, invisível,

E continuo no champanhe, mais duas "ginebras"

Lembro-me por alguma razão do Leopoldo María Panero,

Quantas vezes no trabalho recebemos quem fica no chão dias a fio,

Rabdomiólise, hipotermia, hipernatremia, insuficiência renal,

Úlceras de pressão, necrose, acidose metabólica, hipoglicemia,

E tanto mais nos pode trazer a solidão de uma simples queda,

Hoje enquanto comia a meias uma tangerina com a minha filha,

Olhando a neve fresca deste ano novo,

Esboçava mentalmente esta pequena crónica de ano novo,

Pareceu-me um poema, mas afinal é apenas isto.

 

01/01/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva