sábado, 12 de abril de 2025

 


Num Café de Kaurismäki

 

Sempre me encontrei nos diálogos de Kaurismäki,

Aqueles dos gestos do silêncio, da dor nos olhos,

Na mão que agarra o copo de cerveja já morta,

Mais uma, só mais uma, a adiar uma obrigação,

Um trabalho que consome a alma por uns trocados,

Uma miséria qualquer, o ridículo cómico da vida,

Dos pequenos que somos a grande maioria,

Os sonhos a preto e branco do povo,

O silêncio, o silêncio que ecoa na prostração

Dum olhar, a tensão infinita do silêncio,

As despedidas breves e eternas, sexta-feira

À noite num café, a música sobrepõe-se ao vazio,

Despe o silêncio, ouço o toque das minhas mãos

Que seguram o copo de cerveja, um velho olha

Para as máquinas de poker, um esgarra no vazio

Do seu interior, a empregada ruiva, filha do dono,

Olha através da janela enquanto agita um copo

Com gelo, ouço-o a bater no vidro, que pensará ela,

Em silêncio, tanto, tão longe, aquele olhar melancólico

E o copo vai à boca e parece que nos olhos lhe nasce

Um sorriso triste como um café de Kaurismäki.

 

11/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

 


Nietzsche, Sestas e Vinhas

 

Sabes o que me lembra isto, minha filha,

Enquanto dormes sobre o meu peito,

E aproveito o silêncio para ler o que ficou

Por ler na minha adolescência,

Lembro-me de quando era um rapazola

E ia para a vinha com o meu pai,

Ele ia sulfatar, cavar ou podar, o que fosse,

Eu ficava sentado no caminho a ler

Um livro do qual pouco compreendia,

Hoje minha filha, que compreendo muito mais

Do que leio e tudo me surpreende menos,

Nunca trocaria entrar na vinha,

Sujar as mãos com o meu pai,

Por todos os livros do mundo, os livros

São eternos e há sempre tempo para eles,

Se este livro que seguro te acordasse,

Te afastasse do meu peito, podes ter a certeza

Que o pousaria logo de seguida.

 

Turku

 

11/04/2025

 

João Bosco da Silva