Num Café de Kaurismäki
Sempre me encontrei nos diálogos de Kaurismäki,
Aqueles dos gestos do silêncio, da dor nos olhos,
Na mão que agarra o copo de cerveja já morta,
Mais uma, só mais uma, a adiar uma obrigação,
Um trabalho que consome a alma por uns trocados,
Uma miséria qualquer, o ridículo cómico da vida,
Dos pequenos que somos a grande maioria,
Os sonhos a preto e branco do povo,
O silêncio, o silêncio que ecoa na prostração
Dum olhar, a tensão infinita do silêncio,
As despedidas breves e eternas, sexta-feira
À noite num café, a música sobrepõe-se ao vazio,
Despe o silêncio, ouço o toque das minhas mãos
Que seguram o copo de cerveja, um velho olha
Para as máquinas de poker, um esgarra no vazio
Do seu interior, a empregada ruiva, filha do dono,
Olha através da janela enquanto agita um copo
Com gelo, ouço-o a bater no vidro, que pensará ela,
Em silêncio, tanto, tão longe, aquele olhar melancólico
E o copo vai à boca e parece que nos olhos lhe nasce
Um sorriso triste como um café de Kaurismäki.
11/04/2025
Turku
João Bosco da Silva