domingo, 26 de outubro de 2025




Sunday Morning

 

Nos meus sonhos ecoa o rugido de um tigre moribundo

Escondido nas sombras dum beco de uma cidade caída

Na decadência suja do progresso negligente,

Escuro como um Novembro nórdico, os sorrisos um silêncio

Típico da época, és um espelho partido onde se reflectem

Multiplicados por mil os fracassos que dizem formar uma alma,

E lá ficaram esquecidas numa lavandaria em Laos

As promessas que um dia sujas de juventude e cio

Vontade que se invaginou num delírio psicótico de melancolia patológica

Que todas as manhãs tentas alegrar com o tamanho ridículo

De um comprimido, como se o sol entre o polegar e o indicador

Antes do primeiro café da manhã cair violentamente

Na fome deixada pelos sonhos na fragmentação que te tornaste.

 

26.10.2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva


quinta-feira, 16 de outubro de 2025

 


Velha Vendedora de Lenços

 

O que te levará, velhinha, a acordar tão cedo,

Para arrastares o teu carro cheio de pacotes de lenços,

Até ao porto de Pireus e como quem pede esmola,

Com esses olhos baços de quem viu demasiado,

Com uma dignidade silenciosa, passas pelos que esperam

Os barcos, entre o sono e a indiferença de mundos

Que nem tu conheces, mostrando a tua preciosa mercadoria,

Um pacote de lenços, que sempre fazem falta,

Como tudo o descartável, como se a vida,

Numa escala cósmica, não fosse também, um lenço de papel,

Compro-lhe um pacote e nos olhos baços

Uma nuvem se move e me deixa de troco um sorriso puro

Como a brisa marítima do Egeu e o sol finalmente se revela.

 

Hidra

 

30.09.2025

 

João Bosco da Silva

 


Gatos de Hidra

 

Meu amigo, meu companheiro gato,

Não preciso saber sequer o teu nome,

Olhas-me e conheces-me, houvesse ou não

Queijo de cabra, tivesse eu quase vazia

A garrafa de Malagousia, o teu silêncio

Compreende-me, logo somos irmãos,

Ninguém me exige palavras no tom certo

Como esses olhos de instinto e sabedoria,

Nem sei se és o mesmo de há momentos,

Ou outro, tanto faz, a tua fome furtiva

É igual e a tua leve companhia, um mel sem ferrão,

Obrigado meus amigos pela companhia do silêncio.

 

Hidra

 

28.09.2025

 

João Bosco da Silva


 

Bálsamo

 

Em pouco mais do que isto encontro a paz,

Isto e o teu sorriso, torna-se o sol pequeno,

E na minha enrugada face nasce limpo outro

Com vontade própria, cai-me a máscara,

Como só quando pouso a caneta no vazio

De uma página em branco, pouco mais que isto

E no prurido constante da minha alma leprosa,

Um bálsamo bíblico, sabes que te amo

Com o tamanho avassalador do medo maior,

Os meus sonhos são agora mãos abertas

Para te receberem, outras páginas em branco

Onde desenhas aviões como se fossem verdades

Numa perdida língua babilónica, os gatos rodeiam-me,

Como se destas páginas algum maná

Ou o resto de umas sardinhas, acenderão amanhã

O teu entusiasmo e com ele o teu sorriso,

Esse bálsamo que leva a pena dos dias.

 

28.09.2025

 

Hidra

 

João Bosco da Silva

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

 


Prece Nocturna

 

Que estrelas faltarão ao céu nocturno,

Quando de mim não restar mais nada

A não ser tu, que humanidade a dos homens

Do futuro, depois de todos os pecados cometidos

Serem perdoados pelo brilho baço da extinção

E do ouro, virão dias frescos e limpos

Como na minha longínqua primavera,

Espero melhoras, não me custe tanto o peso

Das estrelas que não verei, nem a maior victoria

Para uma responsabilidade que ecoará

Após o pó soprado do último dente.

 

Hidra

 

28/09/2025

 

João Bosco da Silva

terça-feira, 7 de outubro de 2025

 




No Museu

 

Olhando esses dentes, ainda tão dentes,

Brancos como a eternidade, tu tão pequenina,

Cabeça virada para a direita, para sempre,

Coberta de adornos, foste amada, pelo menos

Na tua morte, quem te terá trazido aqui minha pequena,

Exposto os ossos à curiosidade de um futuro alheio,

Longínquo, que nunca poderia ter sido teu,

O que terão mordido esses pequenos dentes,

O que te trouxe aqui minha pequena,

Ao silêncio de tantos olhos, que em ti vêem

O reflexo da sua própria humanidade,

Curta foi a tua vida, longo tem sido o teu sono.

 

26/09/2025

 

Hidra

 

João Bosco da Silva

 



Ao Ritmo de Leonard Cohen

 

As varandas da juventude, com vista para antigas capitais,

A verdade absoluta do teu desejo no meu colo,

Uma revelação em forma de saia levantada a Junho,

Ser jovem e fazer do ventre estrangeiro a casa de nostalgias futuras,

O desejo é mais sincero e breve que o amor, ecoa sem medo,

Como a Lua cheia atravessa as folhas douradas do devir cansaço,

Sente-se tanto quando ainda se viveu tão pouco.

 

Turku

 

06.10.2025

 

João Bosco da Silva

segunda-feira, 22 de setembro de 2025




Mais do Mesmo - Haikus

 

Tua

 

A pele do futuro

coberta de cinza –

Agosto em Portugal.

 

Quando beberei

deste sol

que agora me queima?

 

À beira do rio

conspurcar outro corpo

com a minha vontade.

 

No ar o cheiro

dos tomates podres

que ninguém colheu.

 

Enquanto o sol dá

os últimos retoques

um pardal à sombra.

 

As paredes caem

mas as uvas

amadurecem.

 

Encostado à parede da estação

trabalha à sombra

o cara de sapo.

 

Depois da peregrinação

às três capelinhas

sento-me e descanso.

 

Do cimo da fraga

vejo tudo

o que tenho que ver.

 

Do alto da fraga

a gente tem

um tamanho mais real.

 

Sentado na fraga

escrevo um poema

e toco harmónica.

 

No papel seco

marca de batom

de beiça de cu.

 

Dos antigos amores

apenas permanecem

as memórias e o granito.

 

Cidões

 

É mais fresca

a sombra

do velho castanheiro.

 

Torre de Dona Chama

 

Quais os bandidos

preferem os figos

fumados?

 

Que silêncios

afugentam

as aves?

 

Pousa no telhado

da casa abandonada

um bando de pombas

 

Põe-se o sol

aos poucos um inferno

amanhece nos montes.

 

Com a barriga cheia

de amoras maduras

custa menos partir.

 

Agosto 2025

 

João Bosco da Silva

 

 


terça-feira, 16 de setembro de 2025

 


Arde o Passado

 

“Aún enloquecen

aquellas madres en mis venas.”

António Gamoneda

 

Quantas mães desperdicei pelo meu gosto

Àquele brilho de esperma ao luar

Sobre a humilhação da pele

À convulsão do prazer,

O orgasmo é um abismo do qual se acorda

Para um arrependimento peculiar,

Agora sonho e sonham

Numa medida proporcional aos secretos desejos

Que os olhos aprenderam a esconder

Com o peso dos anos e a vergonha evidente dos espelhos,

Querer é um livro por abrir que ficará a meio,

Tudo não passa de um incêndio a frio

Numa noite de promessas ignoradas

Pela definitiva despedida.

 

Torre de Dona Chama

 

20/08/2025

 

João Bosco da Silva

 


Regressar

 

Como se regressa ao que já não é o mesmo,

Só as pedras permanecem ainda,

Os gatos apenas uma companhia na memória,

Os cães um nome e pouco mais, tomates, feijões,

Batatas, o que quer que se tenham tornado,

Tudo comida para vermes, só as fragas mantêm

A mesma forma, o musgo mais ou menos verde,

Ou queimado, regressar é sempre uma ilusão

Que impingimos àquele que também já não somos.

 

No ar

 

18/08/2025

 

João Bosco da Silva

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

 


Folhas Caídas

 

I

 

Às vezes, simplesmente, por muito que se espere,

As folhas não caem das arvores, Setembro ainda tarda,

Apesar do fresco, da mão fechada e do livro pousado

À espera, longe, será o último, serei eu ainda,

E as folhas continuam a esconder o sol, quando só ao sol

Os ossos aquecem, duas velhas, não como eu,

Velhas mesmo, sentam-se na mesa ao lado,

Brindam com dois copos de cerveja e dizem,

Gozemos agora, e comentam que fulano e tal,

Com setenta anos, ainda vive, e as folhas continuam

A amarelecer até um dia, como hoje,

Hoje que não és tu a conduzir, diz uma das velhas.

 

II

 

O balanço das flores ao vento nórdico de Agosto,

Ou o lambiscar das moscas na mesa pegajosa

De uma esplanada, florir deixou de ser uma certeza,

O sol, esse, haja chuva ou não, lá estará,

Até que todas as ilusões civilizacionais se apagarem,

Como eventualmente o sorriso de todos os bebés,

A inocência de todas as crianças, a dureza relativa

De todas as pedras, um aperto na próstata e uma cega

Que não dá com o cinzeiro, tudo é triste, se houverem

Olhos que realmente vejam, até o primeiro sorriso,

O primeiro de algo que um dia último.

 

08/08/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

sexta-feira, 12 de setembro de 2025




Ciclo de Krebs

 

Na tua boca o esperma inconsequente dos dias,

Uma fartura de mel e leite nas manhãs azedas,

As folhas apodrecem com a mesma vontade dos homens,

Agarram-te as garras de uma vontade estéril,

Como o é a luz sem a promessa da podridão,

Choves cá dentro, tantas foram as vezes em que

Me deixei cair num colapso de abismo por ti adentro,

Foram tantos os futuros que não chegaram,

Brilhará ainda no silêncio dos teus lábios

A confusão que fomos enquanto a lua decidia quem seria

O último a arrancar o olhar da despedida,

As folhas despegam-se como um lenço de papel

Atirado à pressa pela janela, contudo este é

O primeiro Outono que vejo como aquilo que é,

Não o fim de um ciclo, mas o início de uma renovação.

 

12.09.2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva


sábado, 2 de agosto de 2025

 


Caminhante à Chuva

 

Uma pressa de gaivota no alcatrão quente,

Sem camisa cair num monte de urtigas,

Inspirar fundo a beleza das lâminas recém cortadas,

Os trevos dizimados por uma ordem humana,

Que vontade de cair como cai a pesada chuva da tempestade,

O rasgo de guerra-civil no ar antes do primeiro relâmpago,

Tenho os bolsos cheios de desejos fora de validade,

Sonhos que apodreceram no medo do primeiro passo,

Desfio agora os trovões em silêncio,

Enquanto o mundo se vai revolvendo na lama da sua idade.

 

Turku

 

21/07-02/08/2025

 

João Bosco da Silva

terça-feira, 29 de julho de 2025

 


Ainda Cá Andamos

 

A última vez em que li Kerouac, foi no Natal antes da pandemia,

Em Berna, num apartamento do outro lado da rua

Onde Einstein viveu, a casa da minha irmã na altura,

A última vez a família toda reunida sem os novos membros,

Se virmos bem, cada novo momento é, sem darmos conta,

Uma última vez de algo, a primeira vez em que li Kerouac,

O mundo era outro, os meus olhos tinham outra vontade,

Foi num verão quente finlandês de tempestades

E carregado de despedidas, sempre andei com os bolsos da alma

Carregados de despedidas e saudade, contudo, nunca preparado

Para as inesperadas traições da vida, passados anos a ouvir

As mesmas piadas sem gosto, histórias que se repetem,

Estarei rodeado de NPCs, aos dezasseis tinha momentos

Em que julgava ser o único ser pensante na terra,

Tendo apenas os meus livros como prova do meu erro,

Que ia comprando, trocando o dinheiro de sandes,

Que antes para as bandas-desenhadas, por livros

Que vinham com o jornal no quiosque do senhor João,

A última vez em que li Kerouac, foi reler, traduzido, o delirante

Big Sur, o meu favorito dele, agora se calhar, realmente,

Leio Kerouac pela última vez, nunca se sabe, as histórias repetidas,

De um viajante solitário, que uma poeta portuguesa me enviou,

Ainda cá ando, com uma sede para a qual já não tenho lábios.

 

 

Turku

 

21/07/2025

 

João Bosco da Silva

segunda-feira, 21 de julho de 2025

 


Cicatrizes de Verão

 

Foi num verão, longe, muito longe deste,

Contudo, ao sol deste verão, brilha,

Como uma memória, onde estará a ferrugem

Daquela bicicleta, que numa derrapagem

Na areia, mais uma vez me tatuou,

Para o sempre que uma vida dura,

O joelho, longe de casa, sempre,

Mesmo em casa, o que é casa a esta hora

Da vida, quando metade fora,

O futuro metade estrangeiro,

Nunca o que esperavam de mim

Naquele ridículo rectângulo,

Esta cicatriz no joelho, uma ferida

Em mil novecentos e noventa e quatro,

Quando a casa em obras, uma pressa de viver

E uma curva apertada para sempre,

A dizer-me que ainda sou eu, o mesmo,

Aquele garoto, longe, aquela tenra carne,

Ainda, esta pele de velho, com saudades

De tudo, vontade de tudo, menos do futuro.

 

Turku

 

15/07/2025

 

João Bosco da Silva

 


O Início Sempre

 

Já há algum tempo que não preencho um pequeno vazio

De incerteza e inutilidade, a ilusão de que um olhar

Realmente toca e nos reconhece a existência sofrida e faminta,

O sol nunca foi para todos na mesma medida,

Os sonhos são reflexos grotescos do tédio que levou

Mais um dia ao crepúsculo, houvessem ao menos montanhas

Onde claramente o astro rei se enterrasse

E não a ampla beleza de um irrepetível komorebi,

Andar devagar ou não, não interessa, o destino é sempre o mesmo,

Infinitas as escolhas, as possibilidades para um único e inevitável fim,

Um resultado que só de olhos fechados, sem respirar,

Nos parecerá tão claro e isto é só o início, sempre.

 

Turku

 

15/07/2025

 

João Bosco da Silva

quarta-feira, 11 de junho de 2025

 


Florzinhas de Estufa

 

São tudo saudades, portugal, ou memória curta,

Esse ódio carunchoso a tudo o que é outro,

Mais frágil quando na verdade igual, porque há estrangeiros

E estrangeiros, a uns beija-se o cu de bom grado,

Com olho no que brilha, tentam espremer-se ao máximo

Os barracos e as ruínas, o very typical, o provincianismo

Urbano como autenticidade, sempre orgulhosos

Do grandioso passado de descobridores do descoberto,

Sem nos dignarmos a esconder os nomes das ruas

Da vergonha, esclavagistas que detestamos quem

Nos alimenta a preguiça e a boa vida,

Adoradores de chico-espertismo e chauvinismo,

Racistas por ódio ao próprio sangue, machistas por sensibilidade

E tradição, não há maior florzinha de estufa que um fascista,

Tudo o incomoda, o pior é a paz dos outros, a felicidade então,

Deixa-o cego de raiva, só o eu está certo, cego, virado para dentro,

Se pudesse enrababa-se a ele mesmo e tinha pequenos

Clones fascistas, o outro é tudo o que está mal na sua vidinha,

Para quem só vê o próprio umbigo, esquece-se de olhar o espelho

E ver que o problema, na verdade, está nele, fechado

Na saudadezinha com cheiro a mofo, criando a realidade

Mentira a mentira, esfolando um pobre bode de cada vez,

Até que, sem se dar conta, no fim, só sobra ele e a faca na mão

Do adorado líder, o tal que dizia as verdades ou o que se queria ouvir,

Até ser a hora de se tornar, inevitavelmente, também ele no outro,

E afinal, a falange que julgava ser, apenas mais carne para canhão.

 

11.06.2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

quarta-feira, 14 de maio de 2025

 


Aos Pares

 

Era a professora de história ou tu,

O luar era só um, a vontade múltipla,

Acabaste por ser tu primeiro contra o vazio

E a professora a uivar com uma pressa

De sutiã no velocímetro a contar rotações,

Terias preferido que depois de me sacudir em ti,

Uma pressa de mini e matraquilhos barulhentos,

Pouco nos interessavam já os dramas pequenos,

Iria partir, como estava sempre de partida

E nada seria nunca para durar,

A não serem os ecos daquelas rãs vida fora,

Como se não tivessem havido tantas outras professoras,

Cada uma com uma nova lição, uma nova surpresa

Atrás das mesmas pregas de sempre,

Nunca tive medo aos anos oitenta, nem a passado

Nenhum, os mapas de papel, nunca mudam,

Mesmo que o mundo, agora, seja outro.

 

Turku

 

14/05/2025

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 8 de maio de 2025

 


Ar Fresco da Serra

 

Lembro-me do fim do verão no teu casaco de ganga

Na serra, ao pé de uns baloiços, estacionados na escuridão,

Sei lá na companhia de que lobos, toalhetes já secos,

Papel higiénico onde futuros arrastados do exterior

Dos ventres férteis de fome e sede, mas era à confiança

E lá me deixava cair todo eu, rasgando-me em jactos

Que mais tarde acabava por usar para facilitar

Um segundo mergulho e um anel cremoso, nosso,

A surgir na minha vontade reacendida pelo teu pescoço

Ao ténue luar, e mais uma vez saltando de olhos abertos

No teu acolhedor abismo, num estremecimento vazio,

Não recordo toalhetes ou papel higiénico depois,

Umas cuecas rápidas, a conter a viscosa prova do vício,

E assim, cheia do ar fresco da serra, regressavas furtivamente

A casa dos teus pais, porque tu recém separada

E eu um café com uma amiga, escorrendo-te pelas coxas abaixo.

 

Turku

 

08/05/2025

 

João Bosco da Silva

sexta-feira, 2 de maio de 2025

 


Todos os Caminhos

 

Gosto do cheiro a sabão barato, das barbearias,

Do desodorizante Tabac original, é como abraçar

O meu pai ainda jovem, aprumado à maneira possível

Aos pobres, gosto de fatos treino retro e campos de ténis

Cobertos por folhas de eucalipto e esquecimento,

Gosto de modas passadas e hábitos perdidos,

Gosto de ouvir pela primeira vez músicas pop japonesas

Dos anos oitenta, é como limpar a familiaridade

E voltar a não saber ler e ser feliz na forma bruta,

Estranhamente tudo isto me leva ao Parque Termal do Peso,

No cérebro, todos os caminhos vão dar ao início da caminhada,

O fim é aproximar-nos do início.

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

 


Mijar na Cama

 

Quando era garoto, às vezes, quase acordava,

Num quarto absolutamente escuro e o vazio

Parecia-me infinito, a cama flutuava num vazio total,

Tão grande que podia muito bem ser um caixa fechada

E o tecto bem perto, intocável pela minha paralisia,

Quase acordava numa vertigem de nada,

Incapaz de alcançar o interruptor do candeeiro,

Ou um grito que me acordasse, mas só silêncio

Do tamanho da escuridão, era provavelmente

Nesta altura que mijava na cama.

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 1 de maio de 2025

 


Velha Camisa

 

O que restará de ti, nesta camisa, onde

Te verteste com uma força além da vontade,

Eu surpreendido com a calibração fisiológica

Dos teus dezanove ou vinte anos,

Já depois de ter contemplado a minha sorte,

Quando de tanga preta, caminhaste até

À casa de banho, para te refrescares de coragem,

Antes da minha fome lapouça, desabar sobre ti,

Fazendo-te explodir no meu maravilhado lambuzamento,

Naquela noite tinhas saído decidida a não dormir

Enxuta, às vezes quando gozo muito acontece, dizias,

Não me lembro sequer do teu nome,

Mas sempre que visto esta velha camisa,

Lembro-me da cicatriz na tua perfeita nádega esquerda

E pergunto-me, o que restará de ti nela.

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

 


Aniversário à Beira do Rio

 

para quem bem sabe,

 

Amanhã lá estaremos de novo, à beira do rio,

O barulho do motor de rega a esconder-nos

Da luz do dia, o teu cabelo a enrolar

À medida que a humidade aumenta,

Os choupos a fazer uma sombra desnecessária

Num dia de céu de leite, de novo,

Desta vez, longe da cave escura, onde te refugiavas

E comias iogurtes, nas intermitências da loja

De roupa, do shopping onde trabalhavas,

E acabávamos com a caixinha de três,

Já não contava com mais e afinal, pedias-me,

Eu já seco, pedias-me que me corresse,

Eu ofegante, depois de ter galgado todas

As possibilidades abertas do teu corpo, me pedias,

Que me corresse na tua boca, e amanhã,

Lá estaremos uma vez mais, tão longe hoje,

À beira do rio, dizes que não te lembras da minha voz,

Eu não me lembro da textura dos teus lábios,

Culpo todos os aniversários que vieram sem ti,

O silêncio daquele motor de rega.

 

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva