Ainda Cá Andamos
A última vez em que li Kerouac, foi no Natal antes da
pandemia,
Em Berna, num apartamento do outro lado da rua
Onde Einstein viveu, a casa da minha irmã na altura,
A última vez a família toda reunida sem os novos membros,
Se virmos bem, cada novo momento é, sem darmos conta,
Uma última vez de algo, a primeira vez em que li Kerouac,
O mundo era outro, os meus olhos tinham outra vontade,
Foi num verão quente finlandês de tempestades
E carregado de despedidas, sempre andei com os bolsos da
alma
Carregados de despedidas e saudade, contudo, nunca preparado
Para as inesperadas traições da vida, passados anos a ouvir
As mesmas piadas sem gosto, histórias que se repetem,
Estarei rodeado de NPCs, aos dezasseis tinha momentos
Em que julgava ser o único ser pensante na terra,
Tendo apenas os meus livros como prova do meu erro,
Que ia comprando, trocando o dinheiro de sandes,
Que antes para as bandas-desenhadas, por livros
Que vinham com o jornal no quiosque do senhor João,
A última vez em que li Kerouac, foi reler, traduzido, o
delirante
Big Sur, o meu favorito dele, agora se calhar, realmente,
Leio Kerouac pela última vez, nunca se sabe, as histórias
repetidas,
De um viajante solitário, que uma poeta portuguesa me enviou,
Ainda cá ando, com uma sede para a qual já não tenho lábios.
Turku
21/07/2025
João Bosco da Silva
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