Criança
Existe uma criança que te segue para todo o lado.
Segura uma faca ensanguentada, com a qual se matou,
Pinga, pinga e deixa gotas de sangue no teu rasto.
Existe uma criança tão pálida quanto o dia,
Que te olha perplexa como a um estranho familiar.
Existe uma criança que te odeia quando não sabes sorrir
E te puxa a manga do casaco para que vejas de verdade.
Tem as calças rotas nos joelhos,
Está suja como quem brincou na terra dias e dias,
Ou foi desenterrada. Tens terra nas mãos?
Existe uma criança no reflexo das tuas mãos,
Onde te vês e quase não te reconheces.
O cabelo é castanho claro, descolorado pelo sol,
Pelas tardes antes da terra nos olhos,
Antes dos olhos fechados que agora te seguem.
Existe uma criança que tem as órbitas vazias
Da cor do desespero, com lágrimas negras como tatuagens,
Que não escorrem. Tens um lenço impossível?
Existe uma criança que te dá a mão
Que tu sacodes com vergonha, finges que não a conheces,
Mesmo que ela desde que tu nasceste.
Existe uma criança que leva um mochila aberta e vazia,
Só com uma alça no ombro, com a outra pendente e descozida,
Vai eternamente atrasada. Tens um tempo para ela?
Existe uma criança que é tua irmã,
Que eras tu e que abandonaste com uma faca na mão,
Numa tarde de sol, mesmo antes do crepúsculo lançar o cheiro fresco a noite
Sobre a terra, a terra que lhe pinta a palidez,
Que te esconde a vergonha, que lhe cobre os olhos agora cegos e
Lhe suja a mão que tu recusas. Tens vergonha de quê?
08.04.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
Existe uma criança que te segue para todo o lado.
Segura uma faca ensanguentada, com a qual se matou,
Pinga, pinga e deixa gotas de sangue no teu rasto.
Existe uma criança tão pálida quanto o dia,
Que te olha perplexa como a um estranho familiar.
Existe uma criança que te odeia quando não sabes sorrir
E te puxa a manga do casaco para que vejas de verdade.
Tem as calças rotas nos joelhos,
Está suja como quem brincou na terra dias e dias,
Ou foi desenterrada. Tens terra nas mãos?
Existe uma criança no reflexo das tuas mãos,
Onde te vês e quase não te reconheces.
O cabelo é castanho claro, descolorado pelo sol,
Pelas tardes antes da terra nos olhos,
Antes dos olhos fechados que agora te seguem.
Existe uma criança que tem as órbitas vazias
Da cor do desespero, com lágrimas negras como tatuagens,
Que não escorrem. Tens um lenço impossível?
Existe uma criança que te dá a mão
Que tu sacodes com vergonha, finges que não a conheces,
Mesmo que ela desde que tu nasceste.
Existe uma criança que leva um mochila aberta e vazia,
Só com uma alça no ombro, com a outra pendente e descozida,
Vai eternamente atrasada. Tens um tempo para ela?
Existe uma criança que é tua irmã,
Que eras tu e que abandonaste com uma faca na mão,
Numa tarde de sol, mesmo antes do crepúsculo lançar o cheiro fresco a noite
Sobre a terra, a terra que lhe pinta a palidez,
Que te esconde a vergonha, que lhe cobre os olhos agora cegos e
Lhe suja a mão que tu recusas. Tens vergonha de quê?
08.04.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
A criança que somos se perde por caminhos menos coloridos.
ResponderEliminarA vida que se encarrega de nos tirar as ilusões, as princesas e os príncipes.
Não podemos ser mais crianças, mas devíamos ser ...