segunda-feira, 25 de novembro de 2024

 




Ponto de Situação

 

Perguntam-me se ainda escrevo

“Ou agora é só vinho”, escrevo, escrevo

Se calhar agora melhor do que nunca,

“Mas já não publicas livros”, é verdade,

Já não me publicam, ou é porque não há papel,

Ou não há estofo para as minhas idiossincrasias

E falta de paciência para o circo de pulgas amestradas,

Também os meus quase quarenta anos

Já não humedecem ninguém,

Não sou novo, nem novíssimo e nunca fui genial,

Escrever, bem ou mal, qualquer um escreve,

Fazer vinho, bom ou mau, é só para quem pode,

Ainda escrevo, a razão nunca se perdeu,

Mesmo que uma das razões primordiais

Se tenha divorciado e deixado de comer o que mexe,

Também eu agora não prego o dente a tudo, dou-me menos,

Vejo mais, melhor, o cansaço sempre me acompanha, escrevo,

Para quem escrevia antes de me meter em papel,

Que nunca ninguém leu, porque já tinha jantar marcado,

O resto, o resto é poupança de papel e outras contaminações.

 

25.11.2024

 

Turku

 

João Bosco da Silva

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

 

O Toque das Tuas Mãos Limpas

 

O toque das tuas mãos limpas,

Intocadas pela vontade devastadora,

Nelas a curiosidade inocente,

O brilho ainda da eternidade de onde

Despertaste e te arrancaram,

Esses dedos tão dedos já,

Na forma, no prender desajeitado e seguro,

Sem certezas nem incertezas,

Mãos abertas para um mundo

Que até aqui criamos para tudo,

Menos para o futuro,

Que estas mãos não se fechem

Em sofrimento, não causem dor,

Se elevem apenas para gestos

De saudade, que o mundo lhes seja

Leve, menos breve, que a pureza

Se lhes mantenha, mesmo quando

Marcadas pelo arrastar do tempo,

Sujas pelo pó e a lama que da vida

Se desprende, estas mãos que me

Agarram o polegar, conspurcado

Por insignificantes desejos

E iras sempre desnecessárias,

Me tornam por um instante limpo e inteiro.

 

Turku

 

18/11/2024

 

João Bosco da Silva