Uma Cerveja No Cemitério
O rumor de umas chamas que persistem nas velas,
O cheiro do ar quente na terra que arrefece a sua cor,
O quase silêncio, não fosse a vida a fazer festa ao longe,
Esquecidos disto aqui, onde me refugio das luzes,
Da minha cara na cara dos outros.
Trouxe companhia para vos acompanhar,
Já que estamos sós se só eu convosco.
Trouxe a companhia que traz a quase felicidade,
Não fosse engolida a golos desesperados,
Como quem apaga a luz para se afogar nas trevas.
Aqui estou, porque só vós me ouvis quando grito em silêncio,
Só vós nunca me conhecestes, nem conhecereis,
Eu que vos tenho dentro, apesar de incompletos,
Da falta de nomes, as faces que só um círculo pequeno no granito,
A de um dia que não esperava que ficasse para os do futuro,
Que ficasse para um sempre relativo.
A pedra ainda quente, a tocar-me de granito,
Onde me deito, de onde normalmente ninguém se ergue,
Com o copo na mão, apertado, a fazer-se sentir, ainda fresco,
A mão que quase pende, quase perdida no vazio cintilado por velas
Que insistem em marcar presenças ausentes.
Ergo-me em provocação, com a cruz de pedra atrás a ser pequena,
Ergo o copo e bebo, bebo à vossa, à minha por que vós possíveis um dia,
Apesar de hoje a tornar-me esta solidão quase impossível.
A vós vos trago dentro, atrás, no passado que não vivi na vida.
Não me conheceis, mas sou um daqueles que muitas vezes imaginastes,
Se um dia chegásseis lá, aqui, onde me sento,
Com a vida a correr por entre os dedos,
A sentir-se nas têmporas a cada segundo do tempo do corpo.
Sou o resultado sensível da vossa actual insensibilidade,
O orgão que toca a realidade, o que vos não deixa morrer por completo.
Hoje, dia de festa, esquecido o mundo do mundo que foi,
Dos que inventaram as festas para esquecer o silêncio,
A escuridão entre paredes nuas, debaixo de pesadas pedras,
Ou pequenos montes de terra de onde arrancam o verde,
Por que ali já não há esperança,
Bebo a minha cerveja antes que a vida a aqueça,
Na companhia dos que nunca conheci e foram vida antes de eu a conhecer.
22.03.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
O rumor de umas chamas que persistem nas velas,
O cheiro do ar quente na terra que arrefece a sua cor,
O quase silêncio, não fosse a vida a fazer festa ao longe,
Esquecidos disto aqui, onde me refugio das luzes,
Da minha cara na cara dos outros.
Trouxe companhia para vos acompanhar,
Já que estamos sós se só eu convosco.
Trouxe a companhia que traz a quase felicidade,
Não fosse engolida a golos desesperados,
Como quem apaga a luz para se afogar nas trevas.
Aqui estou, porque só vós me ouvis quando grito em silêncio,
Só vós nunca me conhecestes, nem conhecereis,
Eu que vos tenho dentro, apesar de incompletos,
Da falta de nomes, as faces que só um círculo pequeno no granito,
A de um dia que não esperava que ficasse para os do futuro,
Que ficasse para um sempre relativo.
A pedra ainda quente, a tocar-me de granito,
Onde me deito, de onde normalmente ninguém se ergue,
Com o copo na mão, apertado, a fazer-se sentir, ainda fresco,
A mão que quase pende, quase perdida no vazio cintilado por velas
Que insistem em marcar presenças ausentes.
Ergo-me em provocação, com a cruz de pedra atrás a ser pequena,
Ergo o copo e bebo, bebo à vossa, à minha por que vós possíveis um dia,
Apesar de hoje a tornar-me esta solidão quase impossível.
A vós vos trago dentro, atrás, no passado que não vivi na vida.
Não me conheceis, mas sou um daqueles que muitas vezes imaginastes,
Se um dia chegásseis lá, aqui, onde me sento,
Com a vida a correr por entre os dedos,
A sentir-se nas têmporas a cada segundo do tempo do corpo.
Sou o resultado sensível da vossa actual insensibilidade,
O orgão que toca a realidade, o que vos não deixa morrer por completo.
Hoje, dia de festa, esquecido o mundo do mundo que foi,
Dos que inventaram as festas para esquecer o silêncio,
A escuridão entre paredes nuas, debaixo de pesadas pedras,
Ou pequenos montes de terra de onde arrancam o verde,
Por que ali já não há esperança,
Bebo a minha cerveja antes que a vida a aqueça,
Na companhia dos que nunca conheci e foram vida antes de eu a conhecer.
22.03.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
"A de um dia que não esperava que ficasse para os do futuro,
ResponderEliminarQue ficasse para um sempre relativo."
É um dos melhores textos que li teus!!!
Gostei imenso! Adicionei aos meus textos favoritos no google reader! Tá lindo. Nem sei descrever!
Temos poeta.
ResponderEliminarSim senhor!