O Efeito de Pigmaleão ou O Inferno É Um Lugar Simpático
“(I´m fucking the grave, I Thought, I´m
bringing the dead back to life, marvelous
so marvelous
like eating cold olives at 3a.m.
with half the town on fire)
I came.”
Charles Bukowski
Santos de madeira são os únicos possíveis às dez e meia da manhã,
Dentro ou fora das paredes grossas dos séculos da hipocrisia,
Do cheiro a couves cozidas e cães sarnentos, cera de velas, água parada,
Corpos lavados sujos, sujidade escondida com as suas roupas de domingo
Enquanto o amante secreto de Lúcifer canta salmos e aleluia
Pensando quem será a próxima mulher esquecida debaixo do paramento
E o mundo tanto tempo à volta de palavras, de sonhos mortos de mortos.
Ovelhas, sim ovelhas, mansas, prontas para a faca, a tosquia,
Mee-mee, lá até ao fundo onde pouco próprio existe,
Lá no fundo com o sabor do pão rançoso, do leite do pecado
Que a hora do almoço ainda tarda e hoje o almoço será
Com o amigo no restaurante, o grande amigo da mulher, da filha,
Em nome do pai e por aí fora, dar sentido à absolvição dos pecados.
Trindades santas em sofás do domingo à noite, convencidos
Da invencibilidade dos telhados de vidro, arrastando uma felicidade
Frágil e fingida, gatos menos que gatos enroscados uns nos outros
Com o latejar de barbas de chibo ainda na memória recente,
Com a dor de ilusões perdidas ainda a escorrer de dentro, viscosa realidade
E nada é o sonho que querem fazer parecer que é,
Tudo purificado com incensos e sangue selvagem, justificado com tradição
E outras cabeçadas na parede, outra volta à nora, de olhos fechados,
Enquanto o resto do mundo se ri da reserva natural e admira
Convencido de que aquilo é pureza, originalidade… fachada,
Suicídios lentos, mulheres espancadas, gritos de madrugada,
Lágrimas inúteis, cornos e mais cornos porque se julga
Que alguém é de alguém e afinal ouro é um metal às vezes no dedo,
Mais vezes na esperança de algo melhor só porque não se tem, nem se conhece.
Doces domingos alargados depois de noites que aqueceram
Com fúria e desespero por rasgar todas as máscaras a que nos obrigam,
Com uma vontade de nudez maior que a inutilidade de uma dignidade,
Desejo de uma sinceridade infantil, sem morais não praticadas
Entre tanto moralista não praticante, olhos sempre para fora,
Todos os espelhos partidos nas casas de lareiras apagadas,
Nas casas vazias com cheiro a tinta verde diluída até ao amarelo biliar.
Todos sabem o que se espera de filhos da puta e todos esperam o mesmo,
O preço é uma questão que mais tarde ou mais cedo se acerta,
Seja entre oliveiras inocentes, montes, metal, chamas inconvenientes,
Amizades pouco certas, neste mundo de filhos da puta de domingo.
Ressacas são mosteiros, retiros espirituais até a fome não se aguentar,
Olhos fechados de pernas que tentam continuar mesmo quando ninguém
Vale a pena, mesmo que a pena seja o que se procura na graça,
Estiletes dourados, imortalidade na automutilação de um momento
Que perdura pela vida até que a carne não levante o apetite nem aos cães,
Ninguém é uma estátua, mas muitos se julgam santos
Domingo às dez e meia da manhã, enquanto o diabo dorme. Shiu.
Turku
22.03.2011
João Bosco da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário