Carta A Poema
Crias na tua aborrecida rotina doméstica, realidades
improváveis
Em forma de difamação, estando tu tão certa da própria
desilusão,
Crias utopias que só tu não entendes, páras de ti com mais
um
Cigarro e no fumo vês-te a chupar a ilusão e o desejo, com
as
Mesmas ganas que usas para
masturbar e escrever, só, devias
Dar-te mais, nunca te disseram, ao menos à vontade, sempre
te foi
Fiel aos dedos, sê mais carne, deixa as palavras, cada um
dá-lhes
A cor e o valor que quer, a beleza é o que é e mais nada, e
é tua,
O suspiro é universal e o orgasmo é a única moeda que nunca
Desvalorizou, não é que eu queira que me pagues a amizade,
mas
Podias aceitar um agradecimento viscoso, sincero e ilícito,
pela
Tua voz de vela de cemitério e sonho gótico ganzado, não
penses
Que te ficarei a dever, não um poema, que apesar de, preferi
o
Olhar de esfinge ao espelho, quando o espelho um bruto, eu,
o que
Desejaste foi o teu reflexo selvagem ou então a submissão ao
Magma antes de se tornar pedra, sólido, seguro, duro e
irreversível
Como o tempo demasiado tarde, é algo que não existe, é como
a
Morte e o não podemos, quando vivos e na idade do agora
porque sim
E chega de não, a eternidade já te negará tudo e a idade
trará
A escassez hormonal, apesar de cada vez conheceres mais
gente,
Cada vez menos terás contigo a gente que interessa, esquece
O Nilo, eu já o atravessei de uma ponta à outra,
literalmente, e não
Me lembrei das civilizações, dos amontoados de pedras, dos
deuses,
Do início da escrita, mas dos cadáveres que aquela água já
lavou,
Caga no simbolismo, no misticismo e na depuração de legista,
confesso-te que
Três meses sem tesão, depois de ver os órgãos reprodutores
femininos
Numa caixa transparente, o champanhe sabe melhor sorvido
Dos lábios de uma cona quente, a morte só me inspira por
revolta,
Nunca por simpatia, esquece os baús bolorentos, cultivados
com,
Quem sabe quem, esporos bem recentes, por fungos ladradores,
ignora,
A geada é má para os cogumelos, por isso apanha-os nos dias
húmidos
Nos fins de semana da época da escola primária, compreendes,
Foder com inocência, sem o apodrecimento induzido pelos
santos
E pelo catecismo, se ao menos as catequistas a tua voz
ardente
Num quarto escuro, ou num palheiro em Julho, a poesia tem
que vir
Depois do poeta se vir, mas que sei eu, que com os meus
escassos anos
Não fiz mais nada a não ser viver, que outra escola tiveram
os
Meus ídolos, que bem conheces, pinta-me antes a mim com a
tua
Vontade psicadélica de sacrilégio e pecado, usa-me depois
como vírgula nos
Versos dos teus piores poemas, ou na ponta dos dedos debaixo
do
Chuveiro, que é quando és realmente tu, só tu e só aí,
podemos estar
Juntos, ou nas gotas de uma janela num dia húmido e triste,
Usa-me como o cotovelo na mesma janela, embaciada, abrindo
Um pequeno buraco para o mundo onde vivem os vizinhos, ou
melhor,
Esquece-me, para eu poder recordar-te com aquela saudade
única
De quem passa sem ter deixado nada, de quem passa e leva
tudo,
Pesadíssimo e no fim, nem a palavra esquecimento, a mais
horrível de todas,
A que torna a vida tão injusta, não te aborreças mais,
ignora
A louça suja, a cama desfeita que há semanas nem gota de
sumo ou
Leite, não te esforces por alinhar o naturalmente irregular
que só os
Outros vêem, deixa a métrica para os quadrados, vem, vem-te
muito.
Coimbra
03.10.2013
João Bosco da Silva
(TA contessa 2 de luxe)
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