Coprologia Poética
Ando há semanas para escrever este poema, misturei tanta uva
que nem sei,
Até enfiei umas amoras à mistura, era para ser algo sobre
fazer pão de madrugada
Numa aldeia francesa, ou a rua deserta da noite povoada por
cães vadios
De uma vila portuguesa onde restam poucos burros sob um luar
de vinho tinto,
Era para ser destilado, entretanto decidiu-se deixar
fermentar, pensou-se
Em usar um copo de whisky japonês, não whiskey, atenção que
aqui não há brutos,
Hibiki, envolvido com uma manta Maasai enquanto a neve lá
fora quase a crepitar
E dentro a companhia dos poetas irlandeses, mas não,
ficou-se pelo material
Fermentável e pelo vento que varre a infelicidade das
memórias e torna o passado
Num paraíso sem retorno possível, decidi beber antes de
começar a esmagar tudo
Sob os meus pés sensíveis de croprologista, esmagando cada
segundo com
A violência que me empurra os olhos contra o cérebro, é a
vida, e é,
O estômago já aguenta tanto que passo semanas sem vomitar, e
há cada vez mais
Santos, mais deuses, mais poetas e ainda mais críticos
apaixonados pelas pinceladas
Do próprio cu no papel higiénico demasiado fino, pena não
cheirarem os dedos,
Entretanto, fermenta, este poema não é o resultado, é o
processo, não é poema sequer,
Claro que não, é uma merda, e têm toda a razão, mas é
necessária e inevitável,
A diferença é que eu cheiro os dedos e lavo as mãos, o tempo
dá outra forma ao açúcar,
Mas não sem ajuda, e é isto, não se vê, mas está lá,
fermenta, a merda num poema.
11.12.2014
Turku
João Bosco da Silva
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