O Amadurecer das Uvas - Haikus
I
A bondade
não desperdiça
o arroz.
O pó do caminho
não incomoda
as primaveras.
Longo o crepúsculo
quando nada
se espera da manhã.
Colhe flores o samurai
ainda quente o sangue
na lâmina.
Na chawan
olhos verdes
que me esqueceram.
No amor e na morte
a mesma delicadeza
das flores.
O herói morto
com as nádegas
à chuva.
Deixaste queimar
o arroz –
amanhecer.
Comido pela mesma
fome
o trevo de quatro folhas.
Sobre a erva fresca
o corpo
banhado pelo sol.
Mil silêncios
a dança da erva
no fim de tarde.
Passam sem nome
todos os sonhos
alheios.
Como recordações
no início do verão
as moscas.
Quase não me nota
o sol
roendo uma erva.
Toda a vida
na sombra
de um insecto.
Debaixo da árvore
sou um mundo
para os insectos.
Na minha perna
que procura
a lagarta?
Folhas verdes
pele dourada
roupas de verão.
E se o universo
um gigante deitado
debaixo de uma árvore?
Ninguém me chama
para jantar –
andorinhas cantam.
Coberto de moscas
e pulgão –
pôr-do-sol.
Rimbaud ao sol
cerveja
na mesa.
A chávena ainda quente
do chá
que já bebi.
Morango silvestre
inocente mastigo
a tua beleza.
Sou um campeão
do arrependimento –
acaba a Primavera.
II
Vendedora de morangos
o sol aquece
meus cabelos brancos.
Debaixo da ameixeira
corre a água
mais fresca.
Põe-se o Sol
nas folhas
do marmeleiro.
Na boca vazia
Ainda a doçura
Dos pessegueiros cortados.
Cor das flores
de cerejeira –
distancia e sonho.
No Ribeiro fresco
lava-se a terra
das batatas novas.
Sofrem na canícula
as roseiras
de minha mãe.
Belo o perfume
de todas as flores –
noite sem luar.
As mimosas da infância
do tamanho
da saudade.
Nos olhos do meu pai
a sabedoria
de um velho castanheiro.
No ondular da seara
a fragrância
da tua pele morena.
Longe estão os ramos
das mimosas
da infância.
O sabor dos agriões
distante
como a juventude.
Aberta sobre a mesa
a melancia madura –
Verão.
No tanque da roupa
cai
uma maçã madura.
III
Sobre o dourado
da madrugada
voa a gaivota.
Incendeia-se o céu
ainda a terra
fria de sono.
Asfalto quente
da cidade –
ninguém cava a terra.
Aquela gota de orvalho
que secou
e ninguém viu.
Um gato atravessa
uma rua deserta –
abro os olhos.
Sentado no granito
também vou –
folha levada pelo vento.
Entre duas ervas
brilha ao Sol
a fina teia.
Passa a zumbir
a mosca –
em que pensava?
Em cima do pinheiro
o Sol
mais próximo.
Entre as páginas
esmagado
um mosquito.
No pátio da escola
aquela mimosa
e a minha infância.
Quão longe
podemos estar
do que somos?
Cada árvore
reconhece
a criança que fui.
Pinhas sobre
o musgo
sob pinheiros.
Parar numa sombra
e reflectir
nos cheiros do verão.
Passou uma lesma
no restolho –
amanhece.
IV
Rodeadas por seixos
as barbatanas
de uma foca.
Este mar
não parece ir
nem voltar.
Cheiro das macieiras
ao fim da tarde –
alguém prepara o jantar.
Tocado pelas recordações
o trigo
estremece.
Só os grilos cantam
numa língua
que reconheço.
Passou por mim
uma libelinha
ou lembro a minha mãe?
Onde a gente se delicia
cagam os gansos-do-canadá –
dia de praia.
Como podem
estes velhos dentes
ter tanta fome?
Levam o Sol
as jovens rolas –
tarde de Agosto.
Amargo o café
como o homem
a quem a juventude acabou.
A quem se irão dar
aqueles jovens
corpos cintilantes?
Pernas que se abrem
sonhos que cessam –
fim de verão.
Quantas as mães
do capitão Shigemoto –
mosca da fruta.
Mais um belo dia
para ser
desperdiçado.
Nas páginas
do livro sagrado
caga a mosca.
A muitos toca
a solidão
de um vulcão.
Um fio de cabelo dourado
cai leve
como o desejo.
Reflectido na água
o passado sorri
até num dia cinzento.
“Dantes”
diz olhando o copo
vazio.
Na companhia das pedras
duram
as vidas imóveis.
Pintam-se de sol
as folhas –
fim de verão.
Turku, Verão 2020
João Bosco da Silva
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