Debaixo da Figueira
No verão a sombra daquela figueira enchia-se de diferentes sotaques,
De netos e filhos, havia vida atrás daquele muro, que os gatos ignoravam
Como qualquer fronteira ridícula, às vezes quando não havia outras vozes,
Ouvia-se falar com o cão ou com as galinhas, nos invernos havia um silêncio frio
Debaixo da figueira nua, a humidade aos poucos depositava-se nos ossos,
Fazendo pesar os anos e com o peso dos anos, cada vez menos vozes
Debaixo da figueira, nas tardes de canícula, quando me julgava só,
Debaixo do marmeleiro, matraquilhando contra mais uma ressaca,
Ouvia o roçar dos ramos da figueira no muro, não era um gato,
Não era o vento, então ouvia-a a ela, que me chamava e deixava
Sobre o muro um saco com um tupperware, quando adivinhava
Que eu por ali, logo apareciam uns dormidos, depois surgiam
Umas análises que impotente lia e dizia o que já era sabido estar mal,
Aqueles malditos diabetes e tinha razão, nunca lhe reconheci uma palavra
Que me ofendesse, mesmo quando era garoto e ignorava, como os gatos,
Fronteiras e muros, envelheceu debaixo daquela figueira, chamava-se Esperança.
Turku
16.11.2020
João Bosco da Silva
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