terça-feira, 29 de dezembro de 2020

 

Glória

 

Ainda crescerão as rosas como se quem as plantou nunca tenha sido,

O senhor Zé, que sempre me convidava à adega, para partilhar comigo

O seu tesouro, guardado numa ruína escura e poeirenta, onde adivinhava

Teias de aranha e promessas de cirrose como a do avô morto,

Pena nunca ter tido idade para lhe agradecer sem o não atrás,

Engolir com gosto a zurrapa sagrada daquelas pipas humildes,

Sentir esgaçar a alma esôfago abaixo, até cair no estômago

Como um consolo doloroso ou uma doçura triste, o que resta de nós,

Quando só as rosas persistem contra uns muros cariados,

Apontando janelas abertas a céus arruinados e cinzentos,

Estamos aqui e já não estamos, ficamos espalhados por memórias

Inesperadas, uns vasos com flores em cima de um tanque que ninguém usa.

 

29.12.2020

 

Turku

 

João Bosco da Silva

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