quarta-feira, 14 de abril de 2010


Caminho De Olhos Fechados

até Mirandela

Caminho, sentado ao longe, caminho de olhos fechados,
Bem fechados, apertando com força até que anéis brancos,
Até que caminho de verdade, longe do caminho.
Caminho sobre cheiros de portas abertas a dizer que papel,
Comida quente na hora do almoço, roupa nova saída de caixas e plásticos,
Cabelo no chão com a quarenta e sete onze das barbearias,
Relva aparada, a ser mais verde com o sol que a rega, do outro lado,
O asfalto quente e os pneumáticos a dar-lhe razão de ser,
O fumeiro e outros aromas familiares das lojas de comida regional,
Caminho sobre os cheiros da cidade até que a luz vermelha quando atravesso.
Paro e olho. Tão longe! Sentado, num banco de jardim,
A olhar o rio que passa e eu que passo, longe do rio,
A ter pena dele, para não ter pena de mim,
Porque espero que os outros tenham, porque eu longe,
Afinal esquecido, só pernas quando olhos fechados,
Asas quando longe e pernas quando olhos fechados.
Verde. Pés no caminho, no cheiro do café,
A frescura da água que rega a relva, a ponte velha,
Com cheiros inesperados em noites quase impossíveis, lá longe,
O cheiro que se adivinha vir da farmácia, mais roupa,
Gente de plástico atrás de vidros quentes, com gente a vesti-la,
Real, do outro lado da rua,
O quase cheiro da sombra que me cobre por momentos,
O fumo do cigarro de quem passa apressado e eu longe com saudades.
Paro e olho um pinheiro por perto e bronze a ser figura de gente, verde,
Olhos abertos e o branco salpicado de negro,
À espera que um carro pare, que o asfalto quente para pés por momentos,
À espera de poder atravessar.
Estou do outro lado, longe, uma vez mais de olhos fechados,
Apertados com a força de quem quer regressar a um sonho bom,
Caminho. O cheiro do dinheiro que sai das paredes,
Do ar portiço que se escapa do interior do banco e gravatas,
Mãos de papel, a vida a vida aqui, mentira,
Eu caminho, fora sobre a doce realidade das pastelarias,
Um pastel de nata e um café, se faz favor, longe,
De olhos fechados, na esplanada, com o sol lá fora,
Como um estranho que passa e me olha pela janela,
Caminho sentado na esplanada, passo por borracha, pele,
Pés que provam o tamanho para passos, na sapataria ao lado.
Atravesso, sem abrir os olhos, já não passam por aqui sentados sobre pneus,
Só sentados de olhos fechados, bem apertados, até que sol,
Do outro lado, o cheiro impossível da visão, do ouro,
Até que papel, útil para olhos que se fecham e caminham,
Entro na Lusitana, onde conheci Vergílio Ferreira, longe, tão longe.

14.04.2010

Savonlinna

João Bosco da Silva

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