Último Canto
conde de um castelo em ruínas
Cantam tão longe que eu nem sei se é dentro,
Se é som mesmo, ou algo mais além do que se sente,
Mas se algo mais é nada, impossível e eu louco ou morto como se espera ser quando....
Cada página nova revestida dos fumos que os olhos inventam
E nada, sempre nada, mesmo que as gotas de água chamem o calor de volta
E façam a pele retalhar-se em pequenos momentos,
A ser memória, de carne, de fora, com o vapor e o cheiro à sombra de uma figueira.
Judas sabia que só à sombra de uma figueira, se pode ignorar o cheiro a negro
Que a corda excreta quando o pescoço não engole o remorso.
Cantam, mas não é canção de gente, é a canção do que nos leva,
Das ruas de longe onde acabam nos comboios para a eternidade.
Se as ruas fossem da gente quando o sol aparece cansado no fim do dia,
Em vez de formigas de asa apressadas para o fim, negras mesmo que no ar,
A tentar fazer pontos no sol, pontos negros que ninguém sente,
Passam e nem uma casa a ser ruínas para trás, convencidos de que os castelos são para sempre,
Quando nem os nomes são eternos.
Acumulam-se pelos paralelos antes da fronteira as beatas de lábios desconhecidos,
Partilhados entre eles em horas perdidas, comidas pelos silvados que cobrem o granito,
Criam o mistério até o rio ser maior que linhas imaginárias.
Nem a primavera ouve esses cantos do inferno, como se o inferno fosse possível mesmo no verão.
A ansiedade dos pássaros vibra na canícula das últimas horas
E mesmo assim não sentem a chegada dos ouvidos do futuro.
Até as paredes surdas neste momento, só olhos de burro fascinados por palácios de papel.
Cantam e sei que nada interessa a não ser o que vejo cantar,
Mesmo que seja a canção de uma embriaguez entre galochas e pêlos púbicos descuidados,
Que nos acolhem da mesma forma, menos perfumada mas sincera.
A sinceridade é uma palavra, mas pode ser muitas palavras,
Poucos o sabem, porque se canta longe, onde o horizonte é nu e ácido,
Além das ruas de longe, à beira do rio dos mortos de joelhos cansados de pedir ao céu
Uma chuva mais purificadora que a água das pias,
Uma chuva que seja linfa nos corpos de alma doente.
Cantam tão longe que me parece ser onde é exclusivamente possível tudo,
Só pode mesmo, apesar de sentir o sistema límbico a ser mais eu que eu.
Se isto é real, é o indicador esquerdo com a sua colecção de cicatrizes,
De quando ainda se tinha medo de morrer quando o sangue se apresentava
E confundia com o seu cheiro enjoativo a ferro e vida.
27.07.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
conde de um castelo em ruínas
Cantam tão longe que eu nem sei se é dentro,
Se é som mesmo, ou algo mais além do que se sente,
Mas se algo mais é nada, impossível e eu louco ou morto como se espera ser quando....
Cada página nova revestida dos fumos que os olhos inventam
E nada, sempre nada, mesmo que as gotas de água chamem o calor de volta
E façam a pele retalhar-se em pequenos momentos,
A ser memória, de carne, de fora, com o vapor e o cheiro à sombra de uma figueira.
Judas sabia que só à sombra de uma figueira, se pode ignorar o cheiro a negro
Que a corda excreta quando o pescoço não engole o remorso.
Cantam, mas não é canção de gente, é a canção do que nos leva,
Das ruas de longe onde acabam nos comboios para a eternidade.
Se as ruas fossem da gente quando o sol aparece cansado no fim do dia,
Em vez de formigas de asa apressadas para o fim, negras mesmo que no ar,
A tentar fazer pontos no sol, pontos negros que ninguém sente,
Passam e nem uma casa a ser ruínas para trás, convencidos de que os castelos são para sempre,
Quando nem os nomes são eternos.
Acumulam-se pelos paralelos antes da fronteira as beatas de lábios desconhecidos,
Partilhados entre eles em horas perdidas, comidas pelos silvados que cobrem o granito,
Criam o mistério até o rio ser maior que linhas imaginárias.
Nem a primavera ouve esses cantos do inferno, como se o inferno fosse possível mesmo no verão.
A ansiedade dos pássaros vibra na canícula das últimas horas
E mesmo assim não sentem a chegada dos ouvidos do futuro.
Até as paredes surdas neste momento, só olhos de burro fascinados por palácios de papel.
Cantam e sei que nada interessa a não ser o que vejo cantar,
Mesmo que seja a canção de uma embriaguez entre galochas e pêlos púbicos descuidados,
Que nos acolhem da mesma forma, menos perfumada mas sincera.
A sinceridade é uma palavra, mas pode ser muitas palavras,
Poucos o sabem, porque se canta longe, onde o horizonte é nu e ácido,
Além das ruas de longe, à beira do rio dos mortos de joelhos cansados de pedir ao céu
Uma chuva mais purificadora que a água das pias,
Uma chuva que seja linfa nos corpos de alma doente.
Cantam tão longe que me parece ser onde é exclusivamente possível tudo,
Só pode mesmo, apesar de sentir o sistema límbico a ser mais eu que eu.
Se isto é real, é o indicador esquerdo com a sua colecção de cicatrizes,
De quando ainda se tinha medo de morrer quando o sangue se apresentava
E confundia com o seu cheiro enjoativo a ferro e vida.
27.07.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
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