terça-feira, 19 de outubro de 2010



Lavandaria Em Laos


Sei de uma lavandaria em Laos

E coca coca, muita coca

Bang bang, chop chop

E uma cabeça pendurada numa Kalashnikov

Uma catana a pingar quente

Um carro pára e Boom

Uma esplanada em Istambul

A lâmina do beco escuro

Atravessa a grelha e um pulmão sangra

Moedas caiem no vazio de umas mãos

Chop chop, lava-se o sangue

Mogadíscio come poeira ao entardecer

Uma criança loira é violada no décimo quinto andar

Enquanto a vida corre em monóxido de carbono

Sirenes, motores e gritos

Um morto ainda vive e um pobre mesmo morto

A prostituta tailandesa casa-se com o sueco

E o filho fica abandonado em Banguecoque

Em Bangladesh todos os meus sonhos de adolescente

Chop chop, hoje sangram e morrem

Dostoievsky chama-me à Sibéria

As prostitutas russas chamam-me querido

De forma dura e fria e tanto frio

Quando um submarino nuclear

Um teatro arrasado

E tantos países esmagados pela sombra do Gigante de Neve

Pelos labirintos dos morros

Coca coca, muita coca e balas

Como moscas, mosquitos

Malária e beri-beri

Tiamina e bombardeiros B-2

Bandas gástricas e botulismo injectado em pregas

Bang bang, brilhantes a voar

Bocas sem dentes e ouro a brilhar

Roleta russa em Moçambique

Se a água acaba e roupa suja

Sei de uma lavandaria em Laos

E coca coca, muita coca

Muitos sessenta e sete anos

E Thompson já dorme

Muitas nas praias francesas

Num dos dias que chop chop

Se mudou o mundo

Entro na Gare de Saint-Lazare

Que tenho roupa para lavar


A Hungria sangra o Danúbio

E o mundo chora a morte de mais um do mesmo tamanho

Alguém não gosta da cor do mar

E o Golfo do México coitado

Salvem o Báltico, dizem uns

Vomitam outros em uníssono

Só mais um copo

E o carro é disparado a 190

Contra um monovolume

A multiplicar e nem sei

Três milhões de desempregados e escravos, coño

Deixa-te ficar e mais um aborto, menos mal

Vai-te embora e bang bang

A música acabou há anos

E o silêncio parece a eternidade

Kafka com um exoesqueleto

E eu uma lavandaria

Chop chop, corta-se o cabelo

Ao macaco nu de Desmond Morris

Macaco espacial em pilas

Enormes e de metal

A explodir em direcção a deus

Houston, temos um problema

São Pedro ri-se de cabeça para baixo

A cabeça um edema grotesco

Avé Itália de César Berlusconi

Imperador da palavra

Pier Paolo Pasolini, chop chop e nunca mais

Bang bang Hemingway Sá-Carneiro

Os sinos dobram por todos nós

Por isso mais un Mojito en La Bodeguita y un puro

Beijar a saliva de uma desconhecida cubana

Chop chop, acender

Bang bang mais uns pregos no caixão

E ainda não é dia dos mortos

Vinte e cinco dólares faltam

A carne cai aos pedaços

Nem azeite nem Miguel Torga

Estes são outros contos

Outros cantos desencantados

E se durmo, Lautremont

Sussurra-me até acordar

Acordo e Boom

Enola Gay vai no ar

Sei de uma lavandaria em Laos

Roupa suja, roupa suja

What a wonderful world, canta Armstrong



19.10.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva

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