Lavandaria Em Laos
Sei de uma lavandaria em Laos
E coca coca, muita coca
Bang bang, chop chop
E uma cabeça pendurada numa Kalashnikov
Uma catana a pingar quente
Um carro pára e Boom
Uma esplanada em Istambul
A lâmina do beco escuro
Atravessa a grelha e um pulmão sangra
Moedas caiem no vazio de umas mãos
Chop chop, lava-se o sangue
Mogadíscio come poeira ao entardecer
Uma criança loira é violada no décimo quinto andar
Enquanto a vida corre em monóxido de carbono
Sirenes, motores e gritos
Um morto ainda vive e um pobre mesmo morto
A prostituta tailandesa casa-se com o sueco
E o filho fica abandonado em Banguecoque
Em Bangladesh todos os meus sonhos de adolescente
Chop chop, hoje sangram e morrem
Dostoievsky chama-me à Sibéria
As prostitutas russas chamam-me querido
De forma dura e fria e tanto frio
Quando um submarino nuclear
Um teatro arrasado
E tantos países esmagados pela sombra do Gigante de Neve
Pelos labirintos dos morros
Coca coca, muita coca e balas
Como moscas, mosquitos
Malária e beri-beri
Tiamina e bombardeiros B-2
Bandas gástricas e botulismo injectado em pregas
Bang bang, brilhantes a voar
Bocas sem dentes e ouro a brilhar
Roleta russa em Moçambique
Se a água acaba e roupa suja
Sei de uma lavandaria em Laos
E coca coca, muita coca
Muitos sessenta e sete anos
E Thompson já dorme
Muitas nas praias francesas
Num dos dias que chop chop
Se mudou o mundo
Entro na Gare de Saint-Lazare
Que tenho roupa para lavar
A Hungria sangra o Danúbio
E o mundo chora a morte de mais um do mesmo tamanho
Alguém não gosta da cor do mar
E o Golfo do México coitado
Salvem o Báltico, dizem uns
Vomitam outros em uníssono
Só mais um copo
E o carro é disparado a 190
Contra um monovolume
A multiplicar e nem sei
Três milhões de desempregados e escravos, coño
Deixa-te ficar e mais um aborto, menos mal
Vai-te embora e bang bang
A música acabou há anos
E o silêncio parece a eternidade
Kafka com um exoesqueleto
E eu uma lavandaria
Chop chop, corta-se o cabelo
Ao macaco nu de Desmond Morris
Macaco espacial em pilas
Enormes e de metal
A explodir em direcção a deus
Houston, temos um problema
São Pedro ri-se de cabeça para baixo
A cabeça um edema grotesco
Avé Itália de César Berlusconi
Imperador da palavra
Pier Paolo Pasolini, chop chop e nunca mais
Bang bang Hemingway Sá-Carneiro
Os sinos dobram por todos nós
Por isso mais un Mojito en La Bodeguita y un puro
Beijar a saliva de uma desconhecida cubana
Chop chop, acender
Bang bang mais uns pregos no caixão
E ainda não é dia dos mortos
Vinte e cinco dólares faltam
A carne cai aos pedaços
Nem azeite nem Miguel Torga
Estes são outros contos
Outros cantos desencantados
E se durmo, Lautremont
Sussurra-me até acordar
Acordo e Boom
Enola Gay vai no ar
Sei de uma lavandaria em Laos
Roupa suja, roupa suja
What a wonderful world, canta Armstrong
19.10.2010
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
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