Panero
Se as vozes se calassem e me deixassem um momento
Num quarto vazio, um minuto à espera de nada,
Esquecia-me dos anos até nem uma memória.
Bebo e se bebo é para que a música me entre
E me lave e me deixe sem mim,
Vazio e pronto para abraçar a vida.
Deito-me sem sono no granito frio das horas dos esquecidos,
Cansado de ser derrubado pelos demónios da fome dos sentidos.
Só queria um momento de esquecimento,
Uma síncope sagrada e essencial no epicentro do meu universo possível.
Há olhares tão fundos, tão distantes em terras de super-homens,
Perdidos na proximidade castrante das ruas de gente de pedra,
Com multidões maiores, qual Legião.
As noites cansam-se do vazio e plantam o terror
Nos sulcos onde o dia violou a criança que fui.
Se bebo é para me tornar uma criança grande,
Sedenta dos seios das virgens que nunca serão,
Curioso do corpo que me olha e me faz e sou.
Os cães não deixam dormir as estrelas,
Não se acendem e o sino da igreja ainda vibra,
Porque hoje morri e ressuscitei.
27.10.2010
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
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