quarta-feira, 1 de dezembro de 2010



Comboio



Os olhos saltam de imagem em imagem, fechados ou abertos, sem se mover o resto do corpo,


A um ritmo quase irregular, quase regular, uma harmonia desequilibrada


Numa mente decidida à indecisão crónica, sonha-se com Proust


E poemas impossíveis em rolos de papiro que se estendem


Pelo horizonte, num cansaço pela verticalidade das


Palavras, alguma publicidade e chega-se a uma cidade


Inventada pelos olhos fechados, os desejos perdidos


E as saudades, uma terra sem uvas, uma última


Esquecida ou ignorada e a mais doce, tantos


Muros de pedra, tanto musgo a enganar


E tribos urbanas à espera nas entradas


Para a perdição, todos os dias menos um,


Tanto por fazer até ao último, um cone


De gelado e fazem trinta graus negativos


Lá fora e eu sei e digo-o, lembro-me


De um número que os olhos abertos


Não viram, as imagens correm e se fossem


Palavras teriam que ser uma chuva,


Sempre horizontal, sempre uma queda


Até à perdição e o esquecimento,


Assim, uma linha que se estende


Até um ponto que desde aqui não


Se vê e pode estar tão perto,


Quedas de água congeladas


E um morto de peito aberto


À espera da frescura afiada


No coração de pedra, cães


Que correm e seguem e


Se cansam e se esquecem


E cá ficam os dentes se os olhos


Se fecharem, é triste não esquecer,


Mesmo quando o tempo corrói tudo,


Tenta lavar mas só cobre de pó


As feridas e o resto que se estende


À passagem e se cria a cada passo


Metálico do nosso espaço pelo tempo,


Ou já estará tudo dito e à espera de ser ouvido


De todas as formas possíveis e em lugar em cima em cima em cima deste,


Não sei e segue-se, árvores, árvores, de estações diferentes e eu no mesmo tempo,


No mesmo lugar, olhos fechados e bem abertos, sem parar, deitando a minha consciência


Cansada e derrotada, cansada das derrotas no vidro frio dos meus olhos


E imaginando se será possível a vida, a vida e quem acreditará nela


E a levará tão a sério, um alce esquecido, um rebanho pequeno


De ovelhas, uma prostituta cheia de frio e ainda nos lábios


O sabor do último, uma escola vazia e nem sei que dia é hoje,


Casas vermelhas de madeira, um castelo medieval,


A minha avó com as pernas no rio no verão,


O livro que nunca acabei de Malraux


Com páginas como um papiro


Desenrolado para os meus olhos


Dormirem, só descansam quando


Acordo e uns fechados ao meu lado


E algo parecido ao amor ou uma


Erecção sincera que é quase igual


E sem lágrimas, o sol nasce e põe-se,


Ninguém dá por isso, estou só,


Sempre estive só e nem sei


Quem me conduz pela escuridão


Numa hora única de


Duração variável, uma


Pausa para a eternidade.



30.11.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva

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