Comboio
Os olhos saltam de imagem em imagem, fechados ou abertos, sem se mover o resto do corpo,
A um ritmo quase irregular, quase regular, uma harmonia desequilibrada
Numa mente decidida à indecisão crónica, sonha-se com Proust
E poemas impossíveis em rolos de papiro que se estendem
Pelo horizonte, num cansaço pela verticalidade das
Palavras, alguma publicidade e chega-se a uma cidade
Inventada pelos olhos fechados, os desejos perdidos
E as saudades, uma terra sem uvas, uma última
Esquecida ou ignorada e a mais doce, tantos
Muros de pedra, tanto musgo a enganar
E tribos urbanas à espera nas entradas
Para a perdição, todos os dias menos um,
Tanto por fazer até ao último, um cone
De gelado e fazem trinta graus negativos
Lá fora e eu sei e digo-o, lembro-me
De um número que os olhos abertos
Não viram, as imagens correm e se fossem
Palavras teriam que ser uma chuva,
Sempre horizontal, sempre uma queda
Até à perdição e o esquecimento,
Assim, uma linha que se estende
Até um ponto que desde aqui não
Se vê e pode estar tão perto,
Quedas de água congeladas
E um morto de peito aberto
À espera da frescura afiada
No coração de pedra, cães
Que correm e seguem e
Se cansam e se esquecem
E cá ficam os dentes se os olhos
Se fecharem, é triste não esquecer,
Mesmo quando o tempo corrói tudo,
Tenta lavar mas só cobre de pó
As feridas e o resto que se estende
À passagem e se cria a cada passo
Metálico do nosso espaço pelo tempo,
Ou já estará tudo dito e à espera de ser ouvido
De todas as formas possíveis e em lugar em cima em cima em cima deste,
Não sei e segue-se, árvores, árvores, de estações diferentes e eu no mesmo tempo,
No mesmo lugar, olhos fechados e bem abertos, sem parar, deitando a minha consciência
Cansada e derrotada, cansada das derrotas no vidro frio dos meus olhos
E imaginando se será possível a vida, a vida e quem acreditará nela
E a levará tão a sério, um alce esquecido, um rebanho pequeno
De ovelhas, uma prostituta cheia de frio e ainda nos lábios
O sabor do último, uma escola vazia e nem sei que dia é hoje,
Casas vermelhas de madeira, um castelo medieval,
A minha avó com as pernas no rio no verão,
O livro que nunca acabei de Malraux
Com páginas como um papiro
Desenrolado para os meus olhos
Dormirem, só descansam quando
Acordo e uns fechados ao meu lado
E algo parecido ao amor ou uma
Erecção sincera que é quase igual
E sem lágrimas, o sol nasce e põe-se,
Ninguém dá por isso, estou só,
Sempre estive só e nem sei
Quem me conduz pela escuridão
Numa hora única de
Duração variável, uma
Pausa para a eternidade.
30.11.2010
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
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