Saari
à filha de Louhi, donzela de Pohjala
A primeira vez que te vi foi a última em que chorei
E tudo o resto de ti será meu, um sonho, uma ilusão sem pernas,
Um engano que cresce e me ocupa o espaço do teu vazio.
A minha casa tornou-se um cofre ferrugento
Onde escondo o coração podre pelos anos que lhe foram arrancados,
Para lá chegar um lago frio e um barco velho e amaldiçoado,
Só desconhecidos se interessam pela visão fantasmagórica de um perdido.
Os sonhos são o que me resta das memórias que tentam outras realidades
Até a manhã fria vir a acariciar-me com a sua mão solitária de morte.
No final, nada interessa, o início um fim que se prolonga até nada,
O chão salgado na hora da partida e no ar um silêncio perdido,
Um não vás, suspenso, um para sempre mentido de todas as vezes
Que o coração conta menos um, menos um e o relógio concorda.
Se um momento é perfeito e valeu a pena,
O horizonte onde se respira, longe, o corpo um milhão de cores,
A terra toda e o corpo mergulhado ao nosso lado a sorrir, sincero,
Sabes que o fim irá trazer a dor do vácuo contra o miocárdio,
Que suga para o nada, buraco negro em miniatura.
A bicicleta leva-te e o vento traz-me a dor do teu perfume longínquo,
O teu cabelo esquecido na minha camisa de cor cansada,
Que guardo dentro de um livro de poemas do Bukowski,
Até me esqueceres, até o teu corpo acolher o esquecimento de uma ejaculação
Estranha e que me trespassará a honra, mesmo sabendo que acabei
E que nunca usei antes tal palavra inútil nestes dias.
Mil vezes perdi e tão poucas me sentei à sombra dos dias quentes,
Mil quilómetros de mão no ar a dizer adeus, nunca sentindo a despedida como certa,
Até à primeira vez em que te vi, olhar nos meus olhos, tornares-te distante,
Estranha, menos verde, mais memória de um Verão de luz doce
Que a chuva turva na hora de trancar o cofre e fingir que a vida continua.
29.11.2010
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário