terça-feira, 4 de janeiro de 2011





Chá Das 03:13


para ti,



O chá arrefece mas ainda sinto o seu sabor na minha boca,
Apesar de esquecido e da cama já vazia, com a marca de um corpo que a noite
Apagou, que a noite levou para a terra do medo e a solidão chegou com o ladrar,
Com o suor dos sonhos terríveis que colam a pele nos lençóis, tão frios, quando ela parte.
O carro pára e as luzes apagam-se e os corpos escondem-se num esquecimento
De momentos que são para sempre e por isso nada, rasgam a carne
E deixam uma marca de fogo na inconsolável emoção, hormonas, descargas
De ácido e contracções viscerais, punhos rasgados em paredes ásperas,
Palmas cortadas em copos vazios pelo desespero da ausência, da eterna ausência
E a falta de coragem de uma mão de chumbos a abrir as portas do inferno para a eternidade.
A lenha consome-se e tudo permanece frio, escuro, inerte, morto, mais morto,
A cor desmaia e todo o mundo parece ejacular bílis nos olhos de quem sofre,
Nos olhos abandonados pela luz numa manhã fria, numa casa de quem morreu ou partiu,
A cama já vazia, a ressaca do excesso, de ter dado tudo por tão pouco tempo,
Valendo, mesmo assim, a vida pelo pouco tempo em que tudo foi dado,
Os lábio apertados, uma existência mais real e mais desejada que um chá que arrefece,
Mas assim teve que ser, enquanto tudo se consome as pernas correm,
Fogem para longe da dor da impossibilidade de uma presença onde deve estar,
Nos braços famintos da carne mais desejada que mil amores de ouro no dedo
E cornos na cabeça, mais desejada que mil nomes esquecidos em noites demasiado longas,
Mais desejada que uma vida sem a possibilidade de satisfazer esse desejo, esta vida,
Uma carne que traz dentro uma alma adorada e brilhante, que se afasta e deixa as trevas
Apoderarem-se do coração, do tesão, do olhar, das mãos que esqueceram o cheiro
Entranhado tantas vezes, saboreado, delicioso, agora fome, síndrome de abstinência
Um vagabundo vazio, sem mais que as pernas, a dor, a saudade e as recordações,
Enquanto o chá arrefece e os olhos de Ginsberg repousam no meu sofá
Onde tu devias estar, deitada no meu colo, enquanto eu escrevo a minha dor,
O meu amor, o meu desespero e a beleza confusa disto tudo.


04.01.2011


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva

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