Fui Eu Que O Matei
Fui eu que premi o gatilho,
Fui a bala que espalhou sangue e miolos pela parede,
Fui eu que tornei a ponte demasiado alta,
Fui eu o banco que lhe falhou os pés e a corda à volta do pescoço,
Fui eu que tornei a curva demasiado fechada,
Fui eu que o obriguei a beber mais naquela noite,
Fui eu quem o fez foder aquela puta desprotegido,
Fui eu o cinto de segurança que não se colocou,
Fui eu o vírus,
Fui eu quem pôs o dedo no botão,
Fui eu a faca que se enterrou no fígado, se rodou e se retirou,
Fui eu que pus o carro a trabalhar dentro da garagem fechada,
Fui eu quem tornou o piso escorregadio,
Fui eu quem fez mutar as suas células,
Fui eu a bactéria fulminante,
Fui eu todos os maços de tabaco durante quarenta anos,
Fui eu quem lhe abriu o cu para um desconhecido,
Fui eu quem lhe tirou a vontade de viver,
Fui eu quem lhe deu demasiada fome de viver,
Fui eu quem o fez atravessar sem cuidado,
Fui eu quem lhe pôs a cabeça no forno e fui o forno,
Fui a electricidade que o paralisou até ao infinito,
Fui eu quem gritou algo sobre deus e um grande silêncio,
Fui a altura e a gravidade, o seu peso e o chão duro,
Fui eu quem gaseou os seus nervos,
Fui eu a tempestade, as ondas, todo o mar,
Fui eu quem deixou a terra solta para o enterrar vivo,
Fui eu o cão, o lobo, a raiva,
Fui eu o excesso de gorduras, fui eu a falta delas,
Fui eu quem lhe bloqueou o vaso,
Fui eu quem soprou contra ele o fim,
Fui eu a carne crua e o sangue contaminado,
Fui eu quem lhe deu uma dose excessiva e final,
Fui o pó, os cristais, o líquido, o fumo, a agulha, a sujidade,
Fui eu quem lhe cansou o coração, quem o fez desistir,
Fui o cianeto e os dentes que o trincaram,
Fui o ódio, o desespero, a guerra, a catástrofe,
Fui o dia, a noite, a má hora,
Fui eu que o matei.
18.01.2011
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
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