segunda-feira, 27 de junho de 2011






Aquele Professor De Português No Quinto Ano






Deve estar bem na vida, com o seu BMW no parque de estacionamento de uma escola qualquer,

Ainda casado com a sua mulherzinha com pais ricos (não acredito que se tivesse casado

Com o fascínio pela primeira foda), a estrear as estagiarias com o seu sorrisinho cabrão,

Ele e o sorriso, com ambos os joelhos perfeitos (nunca se deve ter esforçado muito à baliza),

Provavelmente um filho para ter uma âncora caso o apanhem de calças nos joelhos perfeitos

E dentro de uma estúpida estudante de enfermagem com necessidade de aulas de apoio

A anatomia, com uma fominha ridícula de adolescente acabadinha de sair da sua aldeia,

Deve estar bem na vida a fazer aquilo que nunca deveria fazer, além de viver uma vida

Que não merece, mas deve ter sido um escaravelho do estrume noutra vida, talvez

Para lá regresse quando expirar uma última vez através daqueles dentinhos merecedores de um punho.

Costumam ter sorte, os filhos da puta, mas o meu professor de português do quinto ano…

O primeiro (e basta ser o primeiro) a abalar a minha infalibilidade com o meu primeiro satisfaz,

Eu um génio ao longo da escola primária, mesmo mudando de escola duas vezes por ano lectivo,


Mesmo que abrisse mãos dos melhores amigos antes de eles chegarem a memorizar o meu apelido (é Silva),

O primeiro satisfaz, não Satisfaz, mas satisfaz, eu medíocre, eu atormentado com as aulas de português,

Eu sem perceber porque levar tão a sério o que nem é vida, sem perceber que diferença faz um

Erro ortográfico quando supostamente se está a aprender e estaladas, pontapés quando no quadro com toda a gente a ver,

Eu com sorte por ter aprendido que o que eles querem é que as suas ideias lhes sejam repetidas,

Ou as de outros já mortos, nunca as nossas, porque a escola ensina-nos a não pensar por nós,

Eu calado, menos seguro das minhas ideias, mas que interessa, se ele perguntar: tens razão, estás certo, és deus,

Um deus a impor a sua frustração de pila pequena, ou algo que o cigarrinho se calhar lhe trouxe cedo,

Sobre almas verdes, esponjas sedentas, não de vinagre – meu grande filho da puta!

Fala-se em aproveitamento escolar e família e meio e família, fala-se pouco em professores

E medo, e crianças que tentam ler, mas não conseguem quando têm uma mão atrás da nuca,

Um sorrisinho à espera de um erro, de um pequeno gaguejo e uma frustração (não era meu cabrão?),

Por isso eu longe, não te dava o prazer do erro muitas vezes, mas ainda me dói

A forma como conseguiste atrofiar o percurso escolar do meu melhor amigo e do meu vizinho,

Mas não te deves lembrar do sangue, o sangue esquece-se quando é dos outros:

Por azar, ambos à frente da tua secretária, ou trono de ditador sádico, ao alcance da tua mão enorme

Branca e suave, boa para punhetas (se calhar era isso que querias, pilas de meninos entre os teus dedos),

Mas bater é mais de homem. O meu vizinho começou a ler a sua resposta, com um olho na capa arquivadora

E outro à espera de que o medo fizesse sentido, com razão, até que se engasgou com algo na sua língua seca

E logo sentiu cair sobre a nuca aquela mão pesada e pronta à humilhação e à dor, os dentes

Contra as argolas de metal da capa arquivadora (porque nos era mais barato e ninguém

Tinha pais ricos e é fácil abusar nos filhos dos pobres) e as folhas manchadas com sangue de criança.

Nem todos perceberão a necessidade de um poema tão mau, mas há coisas piores que também

Não têm necessidade, nem razão de existir, como aquele professor no quinto ano, que nos marcou

A todos, a uns por dentro a outros por dentro e por fora, mas todos continuamos aqui, maiores.





26.06.2011






Turku






João Bosco da Silva

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