Às Três Pancadas
"Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra."
Herberto Helder
O teu cabelo cheira a terra molhada naqueles dias de verão de olhares castanhos a demorarem-se,
Como quem arrisca um pecado dentro, uma corrupção pequena e quase inocente e um medo
A sinceridade do corpo que floresce, e a barba cola-se a ti com a mesma vontade dos cães,
Sem artificialismo, só a pureza da tua barriga em prega logo ali, enquanto me perco dentro do teu sabor,
A carne fresca, animal jovem que grita, que geme numa dor que antecipa, na escuridão de uma noite
Que irá arrefecer até ao final forçado, por falta de força de um sonho que se extingue de manhã,
Como a lareira fria na casa dos avós, como a cera inútil de uma vela espalhada pela mesa,
O esperma e o esforço cobrindo a inutilidade de uma pele docemente pálida e fria,
Mesmo debaixo de tantas mantas poeirentas, antes da geada da manhã da terra pequena,
Repousando a machada da noite anterior ao lado da mudez dos cães cansados das estrelas,
Dos olhos e da ilusão que se mata depois de tantas vezes dentro das vísceras, sem nunca se ter tocado,
Ter deixado tocar o interior impossível, só palavras foram tentadas e são sempre demasiadas
E ridículas, tão grandes e tantas, insignificantes à sombra da carne que arrefece
No medo do calor verdadeiro, desconfiando das mãos vazias cheias de força para arrancar
As amarras da tristeza, do tédio, mesmo de quem espera nada do purgatório de seis meses,
Antes de um ponto final que é seguido de mais dois pontos, uma última vez que ficou suspensa
No infinito de até à morte, por uma razão que não interessa nem ao diabo, cansado de saltos em fogueiras,
Saltos em adolescentes estúpidas e abertas, convencidas da sua originalidade no pecado original,
Enquanto os calos crescem e as cicatrizes encolhem e deixam dentro uma pedra pequena,
Umas areias, o pouco que da infância, o pouco que ainda puro e um sorriso nasce quando se pensa
Na malícia ridícula das mamas adolescentes que a gravidade torna velhas, a tentativa de unhas pequenas,
Frágeis por uma alimentação pobre em liberdade de espírito, em arranhar quem além do bem e do mal,
Quem além, desde antes de ser, desde antes da vontade de vontade ou a noção que nunca despertará
Nessas mãos como almofadas alvas que me envolvem o desejo que fiz crescer com música e coincidências baratas,
Fascínios inventados no sinal do teus olhos, que vidro, culpo o inverno e o seu gelo imparcial,
Culpo a saudade do que deixei por cansaço, culpo as linhas que envolvem a minha nacionalidade,
Culpo a tua idade, a minha morte sempre a provocar-me com o chumbo do meu avô,
Sempre a contar-me a bilirrubina séria, a tosse seca e os preservativos que se esqueceram em casa,
Numa noite de duas ou três dentadas nas maçãs vermelhas que me pintam a roupa negra
De traças por dentro, como na época das masturbações em becos escuros,
Enquanto as mães desapertam o cinto dos amantes e se ajoelham, até Domingo de manhã,
A cura para toda a hipocrisia, toda a gordura e musgo seco, longe dos dias de Agosto,
Antes dos beijos secos no ar humedecido pelo teu desejo, a tua fonte segura de entrada livre,
Sem cuspir nas mãos, à porta do brilho dos teus olhos naquela noite fria do último beijo para sempre
Suspenso no arrependimento do primeiro luar, nosso, de todo o mundo, escondidos
Na evidência de mais um mexerico, mas os meus espelhos partidos e os olhos para dentro,
Escondidos dos tamanhos fora da minha divisão simbólica, quando a paixão é maior
Que todas as mãos pequenas que tentam parar a avalanche de magma, a explosão no teu colo
Do útero, jovem, certamente com sede de fertilização, ao mesmo tempo tu um gato
Que se enrosca na aparente segurança do sofá, do pai e da mãe, do amante, dos segredos
Que todos sabem e os importantes ignoram para poderem manter a cabeça erguida,
Procissão de madeira apodrecida e carunchosa, com grelado, por isso tu tão fresca nos meus olhos
Foste, quase uma Lolita, o teu doce perfume de rebuçado misturado nos dedos cheios do teu sumo
Na tua boca, os teus dentes pequeninos de leite, do meu, na tua timidez forçada, fingida, pela qual me apaixonei.
Turku
05.06.2011
João Bosco da Silva
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