sábado, 4 de junho de 2011






Na Praia Com Nietzsche




para os irmãos Diamantino, o Macedo, o Pereira, o Ferreira e o Pires,




Numa casa de férias em Esposende com dezasseis anos a ser tanto, tão fresco,

Tanto espaço nestas mesmas mãos, golpeadas pelo tempo, pela morte dos sonhos

Mil e muitos poemas depois com outras tantas masturbações,

Na varanda, enquanto a camisa azul do dragão branco seca, um livro de Nietzsche

A tornar especial o momento, os amigos a ver televisão, outros na casa de banho,

Outros deitados a curar ressacas pequenas e na casa em frente um aniversário

Onde entram belas adolescentes que me descolam do interesse ridículo por filosofia

Aos dezasseis anos, ainda a latejar as últimas palavras da Crónica de Uma Morte Anunciada.

Nunca serei maior do que isto, nunca terei melhores amigos e nunca ninguém me conhecerá

Tão bem como eles, sem palavras necessárias, sem a confissão dos primeiros poemas,

Escritos quase às escondidas na mesa da cozinha, com muitas pausas e olhos

Fixos no horizonte que a janela permite, tão longe hoje, tão longe a varanda e a brisa do mar,

O farol e a insónia de uma liberdade de Abril, ainda com o sal na pele de um assalto à praia,

Com sede de uma primeira cerveja alemã que ficará para sempre, para o sempre que se tem,

Mitologia pessoal, marcos históricos que morrerão com o último cansaço,

Quando o corpo desistir de nós, e deixar as revistas pornográficas à beira do chafariz

Enquanto gente que não era do nosso mundo passava, com uma revista do Homem Aranha

Ao lado do Além do Bem e do Mal, que acabarei na vinha do meu pai,

Enquanto à volta tudo cheira a enxofre e primavera. Que monstro é este que me escreve,

Como se fosse dono das minhas memórias, dos meus momentos pequenos

Que me tornam o que sou? São os pequenos momentos que nos tornam grandes e diferentes,

As saudades secretas, os sonhos que aos olhos do mundo grande são pequenos e por isso não

Se mostram, mas trocava-se Paris, Londres, Estocolmo, Helsínquia, Amesterdão, Zurique…

Trocava-se tudo, tão estranho ao coração, por aquele Porto, aquela primeira vez, só nós,

Tão longe e tão perto, e lá fora o mundo nunca será o mesmo aqui dentro,

Não quando o candeeiro de rua às quatro e meia a iluminar a bola no parque de estacionamento,

Longe, perto da piscina, Nietzsche no bolso do casaco, o telemóvel cheio de mensagens de amor

Enviadas ao vazio, à desilusão por uma ilusão insuficiente que marcará por dez anos

E os que virão, se houver só mais uma vez, uma última vez, aquela varanda,

A brisa húmida do mar, melhor que qualquer cheiro íntimo, imaginando eu aquelas adolescentes,

Que hoje sei que não estarão tão convencidas do seu poder, deixei de guardar as palavras

E elas são muitas vezes o que os sonhos são, mas sem medo, que a morte está além de tudo

E virá quando vier, da forma que for, longe ou perto de Esposende,

Longe ou perto da memória quando ainda a entrar nos olhos, no nariz, na boca, na pele

Sempre pálida, adolescente, encobrindo uma alma de dezasseis anos até ao fim.

No próximo ano conhecerei Pessoa, o conterrâneo Torga e nunca imaginarei que eu também

Uma belga, o Vergílio Ferreira e nada será o mesmo, pois não estou só, nunca estive só, nunca estarei só.





Turku





04.06.2011





João Bosco da Silva

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