sexta-feira, 9 de setembro de 2011


Poema De Beber



“miracles happen

even in

hell”



Charles Bukowski



O vinho sabe-me à lentidão do tempo enquanto se espera, como se a vida algo mais que uma espera,

Mas engulo, continuo a engoli-lo como se fosse o xarope para a dor da alma, muitas vezes nem é por gosto,

Como não é por gosto que se fode, mais para a libertação egoísta de nós mesmos em alguém,

Subjugá-los também à nossa miséria, partilhar a nossa maldição de errantes pela existência

Sem saber muito bem porquê, nem para quê, resignados ao hábito dos pulmões, inspiração expiração,

E a poesia, sempre disse, é mais o relaxar de outros esfíncteres, quando não se aguenta mais o peso

Do tempo que passou e trouxe mais, demasiado, para o que existe dentro de uma caixa de osso

E tenta ser um universo, mesmo que finito, mesmo que sem deus e se inventem mil, acredito mais

Na mortalidade dos cigarros e por isso insisto em fumar, para que não me venha algo sem razão,

Sempre algo sem razão, só mesmo quando nós a encontramos e premimos o gatilho e a perdemos no momento

Que deixamos de ouvir a última explosão dentro de nós, a atravessar-nos a desligar-nos

As sinapses, apaga a luz antes de adormeceres, dizem enquanto fecham a porta do quarto,

Já aconchegados debaixo das mantas, não te venhas dentro de mim, dizem enquanto mal

Conseguem construir o pedido entre gemidos e que se lixe, sempre sabe melhor ver a conspurcação

Do corpo depois da violação da alma e bebo, bebo em nome dos que não podem beber mais,

Lá estarão num lugar melhor, porque nada, é sempre melhor que isto, se bem que, lá no fundo,

Se deus quiser, espero passar a eternidade num inferno à medida da minha vida,

Tenho-me esforçado, tenho rasgado o meu caminho em carne suficiente para construir um castelo,

Uma casa de horrores, cheia de gritos confusos, contaminações inocentes, mas com vontade inconsciente,

Por muito que se adie, a vontade de acabar o copo é sempre maior que o interesse na sua degustação,

Existe sempre aquela atracção mórbida pelo vazio, pelo paradoxo de mais para cada vez menos nós,

Até que a noite se canse e nos apague com ela, à porta do infinito, de olhos abertos, como um morto à geada.



Turku



09.09.2011



João Bosco da Silva

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