Comer Laranjas À Noite
enquanto se ouve A Naifa,
Isto de descascar laranjas tem muita ciência, a fome é fundamental, o desespero
Atribui-lhe um poder nutritivo que a gente regular não reconhece, mas quando
Os lábios cederam a cor às uvas fermentadas e ainda se tem o gosto de uma desconhecida
Duvidosa na ponta da língua, ajuda a amarelecer as unhas para desculpar os cigarros.
Quantos santos em quartos alugados, com a alma cheia de garrafas vazias
À mesma hora noutros tempos a fazer o mesmo, unhas na laranja, como
Se aquelas esferas fossem as nádegas do mundo, que tão pouco nos dá
E tanto nos mostra, tanto nos mostra nos dentes vampíricos dos gordos verdes,
Exaustos de tanta carne fresca, explosiva nas nossas imaginações famintas,
Que nem o corpo imagina o resultado efusivo do confronto com tal sorte.
Rasga-se a pele das laranjas, deixa-se cair no chão onde as folhas de papel
Tentam crescer na sua inutilidade de palavras ignoradas, poemas, hálito de vinho
Depois de mais um dia a tentar ganhar o direito à vida, uns trocos ao fim do mês,
Para laranjas, o dedo atravessa a frescura húmida entre gomos e abre-as ao meio,
Mordem-se com a vontade das primeiras pernas abertas, acreditando-se
Que nelas a resposta a todos os silêncios, as paredes gritam, mas são só laranjas,
Longe do purgatório, longe do paraíso que é onde nunca se está, neste inferno
De pó mudo, ou perguntemos a John Fante, e rezemos com ele mais uma Avé Maria,
Como antigamente, mesmo que Nietzsche lá nas alturas onde cérebros laranjas
Contra paredes. A ciência de descascar laranjas como quem veste a solidão
Com uma companhia típica dos ébrios, como quem engole goles apressados
Como se procurasse um interruptor no escuro, inverso, enquanto os gomos
Esguicham o sumo contra os lábios secos, da cor do que matou os avós,
Ninguém culpe a vinha, os pés é que andaram, pisaram e o sumo fermentou.
Venha mais um ano novo, mais mentes virgens para enterrar The Pleasures of The Damned
E esperar que após a fertilização com uns screwdrivers, nasça alguma insatisfação
Criadora, mais martelos capazes de usar palavras como extensões dos dedos amputados.
29.01.2012
Turku
João Bosco da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário