Olho-te Como Se Fosses A Noite
a ti,
Olho-te como se fosse noite, a lua cheia e fria, as estrelas tremem, os silêncios impossíveis
E o meu desejo é fechar os olhos e morrer, deixar cair tudo o que fui e penetrar
No sono, porque tudo o que se viu, se quis, se amou, se deixou, se perdeu.
Olho-te como se fosses a noite, inseguro, os teus olhos gatos vadios que me atravessam
O vazio trazido pelo cansaço das horas, não respeitam muros de dentes cerrados,
O teu sorriso alguém numa esquina escura à espera de um cliente ou de uma vítima,
O teu cheiro um candeeiro de rua que desiste, aos poucos, cede ao esquecimento,
As tuas palavras cães que cortam a geada afiando a solidão das lareiras apagadas.
Olho-te e silencio-te com mais uma cerveja, pinto-te de ebriedade e nunca foste
Tão bela, nem tão sincera, como quando eu cego, na tua escuridão de pernas
Que tanto se abriram que se cansaram do desejo, mas compreendo-te porque
Olho-te e vejo-te como a noite que passo, não aquelas que passei, purificadas
Pela distância dos anos, não aquelas em que as minhas mãos ainda virgens de novos pecados,
Mas a que me rasga com a sua presença, me puxa todas as cordas que sustentam
O que sou, todos os nomes, os momentos passados, quem me foi, quem fui,
Olho-te e és a dissecadora da minha pele pintada e sinto-me exposto
À acidez do presente, à carícia do tempo pela carne nua feita de recordações.
11.01.2012
Turku
João Bosco da Silva
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