quarta-feira, 11 de janeiro de 2012


Olho-te Como Se Fosses A Noite



a ti,


Olho-te como se fosse noite, a lua cheia e fria, as estrelas tremem, os silêncios impossíveis

E o meu desejo é fechar os olhos e morrer, deixar cair tudo o que fui e penetrar

No sono, porque tudo o que se viu, se quis, se amou, se deixou, se perdeu.

Olho-te como se fosses a noite, inseguro, os teus olhos gatos vadios que me atravessam

O vazio trazido pelo cansaço das horas, não respeitam muros de dentes cerrados,

O teu sorriso alguém numa esquina escura à espera de um cliente ou de uma vítima,

O teu cheiro um candeeiro de rua que desiste, aos poucos, cede ao esquecimento,

As tuas palavras cães que cortam a geada afiando a solidão das lareiras apagadas.

Olho-te e silencio-te com mais uma cerveja, pinto-te de ebriedade e nunca foste

Tão bela, nem tão sincera, como quando eu cego, na tua escuridão de pernas

Que tanto se abriram que se cansaram do desejo, mas compreendo-te porque

Olho-te e vejo-te como a noite que passo, não aquelas que passei, purificadas

Pela distância dos anos, não aquelas em que as minhas mãos ainda virgens de novos pecados,

Mas a que me rasga com a sua presença, me puxa todas as cordas que sustentam

O que sou, todos os nomes, os momentos passados, quem me foi, quem fui,

Olho-te e és a dissecadora da minha pele pintada e sinto-me exposto

À acidez do presente, à carícia do tempo pela carne nua feita de recordações.



11.01.2012



Turku



João Bosco da Silva

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