quarta-feira, 11 de janeiro de 2012



Pequenos Quase Nadas Que Nos São


A almofada é tantas vezes uma extensão vazia da insónia, que acompanha

Todos os pequenos momentos, os quase nadas que ficam e se enchem de

Mais quase nadas, as macieiras ocultando o primeiro beijo, o seu cabelo loiro

E inocente, o avô a sacudir o copo vazio para o chão, aquela mão de terra

Atirada contra o avô fechado no caixão, a cal do muro do cemitério a ser o único

A acreditar no sabor amargo das lágrimas, aguentando os punhos

Que acreditavam que deus em todo lado, também no muro do cemitério,

No copo de vinho vazio, nunca na insónia e o primeiro beijo já nos condenou,

O primeiro dia de aulas, não pode ser a sério, pensava-se, a minha vida agora isto

E foi, muitos anos, muitos professores, poucos mestres, as suas máximas

A pulsarem ainda dentro de nós e os melhores foram os que nos fizeram melhores

Pessoas, os que não executaram sem piedade a nossa criança, os que a deixaram

Caminhar sobre a teoria até a uma verdade compatível com a vida.

Todos os quase nadas, alguns já sem nome, de alguns só a cor do cabelo,

Ruiva, mãe, nunca se imagina uma mãe a receber filhos de desconhecidas assim,

O primeiro cabelo branco antes dos dez, os tios ainda solteiros e hoje

Nós a tornar os nossos pais avós, o copo tantas vezes sacudido para o chão

Partido, o primeiro vago de uva americana tão estranhamente doce, pele grossa,

As mãos aquecidas à pressa depois de se ter andado a brincar com neve

A recompensa dolorosa da felicidade branca a tornar a brincadeira arrependimento,

Aqueles tantos amo-te até se perceber o poder bipolar da palavra,

Até se reconhecer que nunca se irá compreender o conceito e que é algo

Que se diz quando não se consegue bem perceber o que nos vai dentro

Quando alguém, aqueles alguéns que nos aceleravam o coração

Com a proximidade, de um pensamento, o nome e hoje uma saudade

Diluída, inócua de alguém que o tempo também diluiu, talvez o mesmo nome,

Quase nadas, células de alma, aquele personagem do romance que marcou

Os dezasseis anos a morrer debaixo de uma árvore em Espanha, numa guerra

Que não era dele, nenhuma guerra é verdadeiramente nossa,

Todos os pequenos momentos, sentados nos lameiros com os primos

A comer pão caseiro com queijo e marmelada, olhando as vacas pastando

Silenciosas, calmas como o que invejam os filósofos, uma ruminação verde,

Quente, real, nos dias bons pão com Tulicreme, ir ao café com os tios,

Fumar o primeiro cigarro antes dos dez anos e esperar pelos cento e vinte e cinco

Escudos no fim-de-semana para ir comprar um ovo Kinder à mercearia,

As vacas de cortiça feitas pelo avó, debaixo de uma macieira num dos seus lameiros,

A busca às latas de sardinhas pelas ruas da aldeia para fabricar brinquedos,

A caça aos fantasmas nas casas abandonadas e nos palheiros, com a prima afastada,

A imaginação que não se acredita ter tido, a criatividade que se tornou em fome

Por novidade pré-fabricada, todos os pequenos quase nadas que nos assaltam o sono,

Nos deixam esmagados, contra a almofada, pequenos nadas que constituem

Um universo que luta pelo direito ao sono, angustiado pelo medo, pela pena

Por um dia ter que deixar tão pouco num infinito já tão cheio de nada.





11.01.2012



Turku


João Bosco da Silva

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