Chelsea
Hotel
Estaciono
o burro albino e os meus amigos acompanham-me com o fumo de raízes do inferno
Ancestral,
entramos numa livraria de uma cidade misturada com sonhos de futuro e memórias
De
sótãos esquecidos, onde decorre a apresentação do último livro do poeta que
quase
Conheço,
ele tão estranho quanto o imagino, demasiado silencioso para a sua química
cerebral
Caótica,
alguém lhe apresenta o livro com um campo esterilizado em cima da mesa, arrancando
Os
pêlos do cu, um a um, e queimando-os cheio de cerimónia e pedantismo com um
isqueiro
De
prata, as paredes envelhecem e bocejam, as caras confundem-se com as
prateleiras cheias
De
títulos aborrecidos, arrasto uma cadeira e sento-me ao lado do poeta, como é
que é,
Finalmente
lhe digo, ele sorri irregularmente e eu respondo-lhe com a minha
irregularidade,
O
editor mostra-me dentes desaprovadores num olhar de óculos desnecessariamente
grossos,
Há
cegueiras e cegueiras, criticando com as pupilas a minha indumentária de cigano
pobre,
Todo o
gangue espalhado pela sala, vestindo o rigor exigido pela festa pagã, no tempo
Em que
os caretos se usam para vender tarifários, estou obviamente bêbado, amizade e
vinho
Do
Porto Tawny como naquela noite de São João e kebab ruivo, estão comigo os
maiores
E com
eles sou tão grande, peço licença interrompendo o metralhar monótono e insosso
Do
cirurgião sem talento além do que se atribui por direito de um deus que queimo
Nos
cigarros que deixei de fumar, a fogueira lá fora mantem-me acordado dentro,
viro-me para
O
poeta, é catarse pá, é vomitar a merda toda que mundo nos faz engolir e tu
fazes isso com uma
Arte
que te invejo a loucura, sou demasiado tosco, nunca aprendi a lixar a vida, eu
é mais fodê-la,
O
cirurgião segura mais um pêlo e queima-o, dizendo que estou a repetir tudo o
que ele já
Tinha
dito, mas como um marinheiro e eu sorrio numa ironia transmontana sem máscara
Grotesca,
somos filhos de Juno, a nossa amiga poeta como anda, pergunto-lhe com ar de
Sei que
a fodeste, procuro no casaco cheio de bolsos rotos uns trocos que sobraram do
vinho
E lá
junto dinheiro para o livro, peço-lhe para o autografar com uma dedicatória
simples e breve,
O burro
está à geada e os amigos já com uma sede inquieta a levantarem cadeiras e a
saltarem em cima
Das
caras aborrecidas, ele abre o estojo de pintura e pinta a primeira página, este
gajo,
Penso
com admiração, agradeço-lhe batendo-lhe nas costas e digo-lhe, e tu és bó,
saio,
O
gangue segue-me e mergulhamos na noite fria até que o cansaço amanheça.
Torre de
Dona Chama
27.12.2012
João Bosco
da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário