Gato Branco
Vinha da escola para almoçar, pelo caminho menos percorrido,
só, e ao passar no posto da guarda,
Ouço um gato a miar como um pedinte num transe de fome, paro
até ele me ver e vem ter comigo,
Mia, um olho verde e outro azul, sem cauda, um mutante
branco, acaricio-lhe o pêlo com cuidado,
Ele mia e ronrona, continuo caminho e ele segue-me, até
casa, mia, em casa, dou-lhe de comer,
De beber e ele mia, perto da lareira, olha tudo em volta com
a mesma fome com que mia, as orelhas
Imóveis quando o chamo, chamo-o e ele mia, almoço e vou para
a escola, ele fica porque não me viu sair,
À tarde quando regresso, vejo-o no meio do caminho do bairro,
babado, mordido, silencioso, morto,
Os cães do bairro tinham-no calado e ele, nem notou o
silêncio que lhe caia em cima, lhe esmagava
Os ossos, era surdo e eu cego, afinal comparado com a
violência dos dentes e das patas, o que é
A pena e a piedade de um miúdo, crescer é trocar o coração
por caninos maiores, é tornar-se cão.
João Bosco da Silva
Torre de Dona Chama
21.06.2013
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