Ninguém acredita que escreves poesia sentado na mesma
cadeira onde fazias os trabalhos de casa
Na primeira classe, nem deves saber tu, que até o Sol, que
julgas conhecer tão bem e desde sempre,
Que te queimou tantas vezes com indiferença ao teu suor e te
faltou em tantas manhãs sem luvas,
Geadas afiadas que cortavam os dedos pequenos, que até o Sol
cada vez menos hidrogénio, escreves
Com uma caligrafia cada vez mais comprometedora e não te
admires por ninguém te querer confiar a filha
Ou a mulher, contenta-te com as avós e as mães secas, os
dentes estão caros para lambões e os teus livros
Tomam o cheiro do teu covil, perdes logo a vontade de os
abrires e de lhes inspirares fundo o cheiro
A entranhas industriais, querias suor, sangue, fumos de
outros tempos, secreções vaginais, o aroma
Das coxas quentes enquanto o esperma escorre traçando uma
linha silenciosa até aos joelhos, que lambes
E usas mais tarde em forma de verso, sentado nessa cadeira
onde aprendeste a desenhar as letras,
Para agora isto, nisto te teres tornado, leste o que tinhas
para ler e deixaste a lista que tinhas feito
Aos dezasseis anos para a próxima vez que sacudires o
líquido amniótico, nada te mudou na verdade,
Nada te trouxe algo de novo além de uma hipertrofia aqui e
uma atrofia além, mijas mais do que o que choras,
Mas de forma anormal, o nariz tornou-se-te apurado e agora
cheira-te a cabra em todo o lado, evitas
Os espelhos com medo a cornos e cabelo branco e quando te
confrontas com um, concentras-te nas pupilas,
Procuras-te na profundidade escura que julgas ter, mas tu
tão superficial, ao lado de todas as cicatrizes,
Tu todas as cicatrizes, as mais recentes e as mais antigas e
pouco mais, o resto são páginas em branco
Onde te rasgas numa caligrafia de psicopata, sentado num
trono de infância, onde sem esperares
Ser, eras ainda tudo, agora julgas conhecer o Sol, como
julgas conhecer-te a ti mesmo, mas foste-te
Consumindo em treva, estás maior, cada vez mais frio, não
mereces a carne onde te vertes, nem a cadeira
Onde escorres, negro à espera de mais uma vítima fascinada
pela tua estranha familiaridade.
Torre de Dona Chama
22.06.2013
João Bosco da Silva
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