terça-feira, 15 de outubro de 2013

Atacador

O que enlouquece, não é a morte de alguém
Querido, ou a doença, não é o abandono, ou o esquecimento,
Não é perder um amigo, o que enlouquece é o autocarro que se atrasa,
São os taxistas com a sua pressa de fazer pouco,
É uma linha que se transforma numa corda ao se aproximar da agulha,
São as filhas da puta das rotundas, onde todo o civismo
Converge, voltas para logo ali, ou lado nenhum,
O que enlouquece é a prisão aberta em que se vive, cheia de olhos
Para fora, inquisidores sem pecados com os bolsos cheios de pedras,
O que enlouquece é acordar tarde, abrir o frigorífico e não ter
Nada para comer, com dinheiro na carteira, para pagar contas
De merdas que não se chegarão a usar, o que enlouquece
É engolir a vontade saudável de ser homem e esconder nos lençóis
Os sonhos que matam mais um pouco ao se acordar,
O que enlouquece não é sobreviver a um grave acidente,
É ter um furo, no meio do trânsito e sentir-se completamente só,
É não ter um euro para se ir cagar à casa de banho, numa cidade
Grande, cheia de arte, cultura e gente sem cu,
O que enlouquece é ter a loucura aprisionada,
Esconder a luz e andar pelo mundo às apalpadelas,
Ter um cigarro e não ter isqueiro, beber no silêncio,
Dormir com os pés quentes e sonhar que se fode,
Estar a um metro quando falta um metro, mastigar e não engolir,
Não conseguir arrancar um pêlo com a pinça e ter que o arrancar
À dentada, ter perdido o que se poderia ter tido,
O que realmente leva a caçadeira à boca, ou os comprimidos,
Não foi a porrada que se levou, é o silêncio numa noite
De Lua cheia, um tecla que se falha no fm de mais um poema.

Coimbra

João Bosco da Silva


08.10.2013

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