quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Purgatório

Será que ainda não percebemos que o único lugar onde nos poderemos
Voltar a encontrar é no cemitério dos que fomos e que à noite as insónias
São gritos das nossas ausências, têm-se as mãos sempre tão cheias
De futuro, que se esquecem logo do que deixaram cair, para sempre,
Sei que te encontrarei, lá, onde também eu fiquei a ridicularizar-me,
Onde por vezes em sonhos acredito ainda ser, até que desperto e o cheiro
Dos dedos alguém estranho às memórias acabadas de desenterrar pela madrugada,
Foram tantos os livros que entretanto nos separaram, mais altos,
Esses, do que os próprios anos, anos que passaram pelos dois
E tão desconhecidos os de um do outro, tal como as páginas
Que não nos foram comuns e ainda dizemos, encontrei-te lá,
Eras tu aquela personagem, eras tu, quando tu, agora, tanto
Quanto uma personagem de ficção qualquer, criada nas páginas em branco
Da ausência, continuo a dizer-te que se escreve melhor quando
Há fome, não da que mata e faz crescer a barba, mas da que vai matando a luz,
E pede dedos escravos para erguer pirâmides aos olhos que não estão.

Coimbra

02-01-2014


João Bosco da Silva

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