Purgatório
Será que ainda não percebemos que o único lugar onde nos
poderemos
Voltar a encontrar é no cemitério dos que fomos e que à
noite as insónias
São gritos das nossas ausências, têm-se as mãos sempre tão
cheias
De futuro, que se esquecem logo do que deixaram cair, para
sempre,
Sei que te encontrarei, lá, onde também eu fiquei a
ridicularizar-me,
Onde por vezes em sonhos acredito ainda ser, até que
desperto e o cheiro
Dos dedos alguém estranho às memórias acabadas de
desenterrar pela madrugada,
Foram tantos os livros que entretanto nos separaram, mais
altos,
Esses, do que os próprios anos, anos que passaram pelos dois
E tão desconhecidos os de um do outro, tal como as páginas
Que não nos foram comuns e ainda dizemos, encontrei-te lá,
Eras tu aquela personagem, eras tu, quando tu, agora, tanto
Quanto uma personagem de ficção qualquer, criada nas páginas
em branco
Da ausência, continuo a dizer-te que se escreve melhor
quando
Há fome, não da que mata e faz crescer a barba, mas da que
vai matando a luz,
E pede dedos escravos para erguer pirâmides aos olhos que
não estão.
Coimbra
02-01-2014
João Bosco da Silva
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