Ordinary Madness
“It is a great feeling
to know
That from a window
I can go to books to cans of beer to past loves.
And from these gather
enough dream
to sneak out a back
door.”
Gregory Corso, in The Vestal Lady On Brattle
Será que o consegues imaginar, cansado, envelhecido por mais
um dia a fazer
O mesmo de sempre, a mão a pousar o molho de chaves em cima
da mesa
Onde está um livro que tenta ler, há muito tempo, mas hoje
não que está cansado,
Hoje prefere mergulhar no sofá e deixar-se levar pela
latência hipnótica das imagens
Projectadas por uma cadeia de lavagens cerebrais e
lobotomias, apaga a luz para
A casa parecer menos vazia, há sempre mais possibilidades na
escuridão,
Pelo menos a ilusão tem mais espaço, consegues imaginá-lo a
dormir
Com o braço tombado, mão no chão onde jazem latas vazias de
cerveja,
A cara camaleónica a mudar de cor conforme o que tentam
vender nas televendas,
A boca aberta, a ressonar de barriga para o paraíso, tenta
também imaginar-lhe
Os sonhos, três mulheres deliciosas, nuas, com pedaços de
relva nos joelhos,
A pedir presença lá dentro, a solidão é do tamanho do
apetite e os dias
Dão-lhe tão pouco, imagina o que fazem os quatro, a confusão
de corpos
Num corpo adormecido e só, até que um despertador de metal o
acorda,
Imaginas claro, que pragueja, com o cabelo lambido por todos
os cordeiros do sono
E todas as cabras da vida, os olhos remelosos e o hálito
felizmente sem testemunhas,
Mas podes imaginá-lo no nascimento mágico de mais um dia, um
dia que decerto
Imaginas completamente diferente do teu, ele levanta-se do
sofá, faz café,
Conheces bem o sabor do café, mas a tua boca não é a dele,
os teus dias não são
Os dele e contudo achas que o conheces tão bem, imagina o
espelho a olhar-te
Nos olhos, o que pensará de ti, será que também o consegue
imaginar
A meter a chave na porta e sair, acabaste de passar por ele
na rua,
Será que deste conta que olhou para ti e não te viu.
06.09.2014
Turku
João Bosco da Silva
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