sábado, 14 de março de 2015

De Um Poema Sobre Lentes De Contacto No Metro De Londres

Porra, pensava que vinha de um país decente, apesar das ruas vesgas
E do lixo esquecido nos fins de semana, tinha um certo orgulho na cor dos olhos
E na genética estrangulada por montanhas, parecia-me ser tão natural ser puta
Como engolir hóstias e confissões de Domingo, nem estranhava que
Os trabalhadores que andavam a restaurar a casa dos meus pais
Falassem mais depois do almoço, imaginava como seria possível
Burros e carros de vacas com meio metro de neve mas ruas sem paralelos,
Mentir parecia-me ser uma qualidade dos políticos, os mais aldrabões,
Os melhores, porra, pensava que se podia ficar doente e que se era
Gente independentemente da carteira, até pensava que era normal
Nascer-se em hospitais da periferia e ser-se da terra, afinal um gajo
Tem que nascer na estrada, devem ser coisas do rei da beat,
Não sei, a pobreza parecia-me ser uma coisa normal e essencial,
Uma questão de referência, mesmo que andasse com roupa
Em segunda ou terceira mão, ainda havia gente que pedia nas ruas,
Achava que era rico, a minha mãe é que não encontrava os brinquedos que
Eu pedia, mas encontrava sempre algo parecido que durava pouco
Mas eu restaurava com cabeças de papel e membros de cortiça,
Achava normal não se consumir como era esperado, porra,
Como eu estava certo na altura, com aquela miopia infantil,
Agora de longe vejo melhor, porra de lentes de contacto,
Que me destruíram o paraíso, mas voltarei sim, claro que voltarei,
Quem quer ser enterrado onde o Sol não chega aos ossos.

14.03.2015

Turku


João Bosco da Silva

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