Da Nossa Morte Nos Outros
Ainda me fala de boca cheia, a pedir futuro, agora, quando
me diz olá e me pergunta
Como estou depois de tantos anos, apetece-me dizer-lhe que
estou igual apesar
Do cansaço e que não lhe invejo nada que não seja meu, tento
lembrar-me do sabor
Que tinha nos lábios, sei que não era a tabaco, não me
lembro do que a língua me disse,
O beijo de manhã a sono, alguns sentem-se como um sonho
muito quente que seca antes
De se acordar, ainda te lembras, pergunto-lhe na pausa de um
silêncio, com os dedos
Pendentes e nos dentes os seu pescoço branco em forma de
memória, não me esqueci,
Só tudo confuso, espalhado pelos anos onde não pertence, eu
a fingir que também,
Apesar dos números, uma festa, aquela vez, a última vez esta
e aquela, se calhar nem Lua,
Ou nuvens em vez de estrelas, mas o teu cabelo a enrolar-se
na língua que procurava
Apagar-se no fogo da outra, quando te despedes, sei que fica
por dizer que nunca acabaria
A fome entre nós e que estava tudo condenado à distância e à
saudade envergonhada
Pela luz da idade agora, sempre estivemos bem um para o
outro no excesso em doses
Moderadas, sem intimidades caseiras, só fogo e carne, onde
calhava, porque o mundo
Só nós quando nós, não faz mal que te esqueças um bocadinho,
sabes que a carne se lembra.
Lahti
23.06.2015
João Bosco da Silva
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