Um Tropeço Nos Dias Quentes
Tantas vezes me sento e espero que seja aquele banco à
geada,
Com o cabelo recém cortado e as orelhas geladas, com
uma mensagem
Da pessoa errada no telemóvel que mal me cabia no bolso,
Lá na terrinha, antes do restauro dos muros e do
esquecimento das fronteiras
De outros, espero que seja a cadeira com a esponja a sair de
um buraco
No barbeiro com hálito a cebola, com o calendário de há dois
anos
A mostrar umas mamas que gravava para a punheta na cama que
encolhia
E me esmagava com tantas mantas rodeadas por paredes
manchadas com
Fungos moribundos com o frio, espero que na manhã seguinte
ninguém me acorde
Para me encher com o cheiro a porco agonizando na lâmina do
coveiro da terra,
Contudo, seguro no futuro presunto convulsivo e arranco as vísceras
Com mãos finas que os anos tornaram mais certeiras, sem
sentir os dedos
Gelados pela manhã geada, com as cuecas no estendal, mais
tesas que
A consequência daquela silhueta à porta, através do vestido
azul em Agosto,
Enquanto os dióspiros acumulavam doçura encostados aos muros
de granito,
Sento-me, abro mais uma cerveja, engulo-a e espero que valha
a pena o passado
Que trouxer, o cabelo cai, queimado pelo sol, contudo
escurece, também
O coração cairá, queimado pelo frio, pelos dias demasiado
longos no Inverno,
Quando me rasgo, metro a metro, e nos intestinos ou
circunvoluções,
Procuro uma recordação que me aqueça, que me faça não
precisar das mantas
Na manhã alargada pela falta de vontade de continuar a
envelhecer,
Mais um cabelo branco, a barba que parece um camaleão preguiçoso
na cara pálida,
Tantas vezes me sento e procuro aquele frio das pedras de
granito dos muros da aldeia,
Onde me sentava a ler Caeiro e tudo parecia tão simples e
certo e cada derrota
Uma estação que tinha que se aguentar, há anos que não abro
o livro,
Sempre na mesa de cabeceira, como um crucifixo à cabeceira
da cama,
As geadas tornaram-se numa memória quente, enquanto o copo
aquece,
Longe, perdido, onde só o cabelo e as unhas crescem, sem
caixa e pena
E flores secas, velas por favor, missas, até o nome se
tornar um tropeço nos dias quentes.
Turku
16.01.2015
João Bosco da Silva
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