sábado, 16 de janeiro de 2016

Um Tropeço Nos Dias Quentes

Tantas vezes me sento e espero que seja aquele banco à geada,
Com o cabelo recém cortado e as orelhas geladas, com uma mensagem
Da pessoa errada no telemóvel que mal me cabia no bolso,
Lá na terrinha, antes do restauro dos muros e do esquecimento das fronteiras
De outros, espero que seja a cadeira com a esponja a sair de um buraco
No barbeiro com hálito a cebola, com o calendário de há dois anos
A mostrar umas mamas que gravava para a punheta na cama que encolhia
E me esmagava com tantas mantas rodeadas por paredes manchadas com
Fungos moribundos com o frio, espero que na manhã seguinte ninguém me acorde
Para me encher com o cheiro a porco agonizando na lâmina do coveiro da terra,
Contudo, seguro no futuro presunto convulsivo e arranco as vísceras
Com mãos finas que os anos tornaram mais certeiras, sem sentir os dedos
Gelados pela manhã geada, com as cuecas no estendal, mais tesas que
A consequência daquela silhueta à porta, através do vestido azul em Agosto,
Enquanto os dióspiros acumulavam doçura encostados aos muros de granito,
Sento-me, abro mais uma cerveja, engulo-a e espero que valha a pena o passado
Que trouxer, o cabelo cai, queimado pelo sol, contudo escurece, também
O coração cairá, queimado pelo frio, pelos dias demasiado longos no Inverno,
Quando me rasgo, metro a metro, e nos intestinos ou circunvoluções,
Procuro uma recordação que me aqueça, que me faça não precisar das mantas
Na manhã alargada pela falta de vontade de continuar a envelhecer,
Mais um cabelo branco, a barba que parece um camaleão preguiçoso na cara pálida,
Tantas vezes me sento e procuro aquele frio das pedras de granito dos muros da aldeia,
Onde me sentava a ler Caeiro e tudo parecia tão simples e certo e cada derrota
Uma estação que tinha que se aguentar, há anos que não abro o livro,
Sempre na mesa de cabeceira, como um crucifixo à cabeceira da cama,
As geadas tornaram-se numa memória quente, enquanto o copo aquece,
Longe, perdido, onde só o cabelo e as unhas crescem, sem caixa e pena
E flores secas, velas por favor, missas, até o nome se tornar um tropeço nos dias quentes.

Turku

16.01.2015


João Bosco da Silva

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