Necromancer
“Na minha horta
colhendo fruta
sinto-me um ladrão”
Yosa Buson
Insisto em trazer aos versos um punhado de mulheres que
julguei terem sido minhas,
Quando era eu que me deixava lá ficar todo, espalhado pela
distância, cada vez mais raro,
Um pó cada vez mais fino que nem se sente, elas regressam
sempre com os dias quentes,
Um perfume de quem passa, o champô na cabeça de alguém que
se tenta aproximar
De um vazio pesado de despedidas com ou sem intensão de o
serem,
Procuro-me nelas, uma a uma, tento reunir o que de mim ficou
perdido algures no bolso
De umas calças que já não se usam ou já não servem,
reconheço-lhes os sorrisos,
Os olhos parecem-me sempre mais distantes, escondidos na
sombra, e nos sorrisos
Traços imensos do que a vida impôs, nos rios, encontro-as a
todas, uma a uma
E passam até ao mar do meu esquecimento, onde me diluirei
com todas as mortes
E finalmente deixarei de desenterrar continuamente o mesmo
punhado de mulheres
Para sacudir no papel um beijo desta, o olhar daquela, o
primeiro e o último,
O perfume da outra entre goles de vinho do porto, as palavras
doces com que se engoliam
As promessas e as traições e o sal das peles, dos lábios
perdidos nos lábios e nos sonhos
De dedos confusos que se agarram num desespero de náufrago
antes da próxima onda e mergulho.
07.07.2016
Turku
João Bosco da Silva
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