quinta-feira, 7 de julho de 2016

Necromancer

“Na minha horta
colhendo fruta
sinto-me um ladrão”

Yosa Buson

Insisto em trazer aos versos um punhado de mulheres que julguei terem sido minhas,
Quando era eu que me deixava lá ficar todo, espalhado pela distância, cada vez mais raro,
Um pó cada vez mais fino que nem se sente, elas regressam sempre com os dias quentes,
Um perfume de quem passa, o champô na cabeça de alguém que se tenta aproximar
De um vazio pesado de despedidas com ou sem intensão de o serem,
Procuro-me nelas, uma a uma, tento reunir o que de mim ficou perdido algures no bolso
De umas calças que já não se usam ou já não servem, reconheço-lhes os sorrisos,
Os olhos parecem-me sempre mais distantes, escondidos na sombra, e nos sorrisos
Traços imensos do que a vida impôs, nos rios, encontro-as a todas, uma a uma
E passam até ao mar do meu esquecimento, onde me diluirei com todas as mortes
E finalmente deixarei de desenterrar continuamente o mesmo punhado de mulheres
Para sacudir no papel um beijo desta, o olhar daquela, o primeiro e o último,
O perfume da outra entre goles de vinho do porto, as palavras doces com que se engoliam
As promessas e as traições e o sal das peles, dos lábios perdidos nos lábios e nos sonhos
De dedos confusos que se agarram num desespero de náufrago antes da próxima onda e mergulho.

07.07.2016

Turku


João Bosco da Silva

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