Este Tempo Zombie
Este tempo é como lamber velhos selos, usados
Em cartas de amor para quem já morreu há muito,
Esqueço-me de viver para me verter como um mercúrio lento e frio,
Sobre as costas nuas de um anjo despenhado,
Espeto a língua no ar moribundo à procura do mosto na distância,
Da primeira lenha queimada que ilumina o nevoeiro do meu vazio,
Mas nada, este tempo de bolsos vazios e sem vontade,
Ter por alma um lençol sujo num quarto húmido e azedo,
Uma sede que a vontade de mijar não consente,
Este tempo de batidas silenciosas num esforço de levar, de levar,
Sem lugar nenhum para onde cair, sem qualquer tentação
Onde sujar o tédio imaculado, onde esfregar o cansaço de vazio,
Este tempo como um relógio parado numa casa onde gente apodrece na cama,
Frio como a chegada a Seia numa noite exausta, num carro emprestado
Como o abraço de uma cona que foi perdendo o sabor,
Este tempo de perfumes melancólicos de amores perdidos na vastidão de tantos outros braços,
Este tempo dos velhos poemas escritos com a ressaca em noites de chuva
Nos bancos de trás de carros velhos, este tempo de fim como única certeza,
Tempo de ler Leopoldo María Panero na fronteira do abismo.
14.10.2019
Turku
João Bosco da Silva
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