Latas Vazias
E agora quê, sento-me aqui a chupar vazios, a olhar para cortinas imóveis,
Nem um gato, podia acabar o mundo lá fora que nem dava por isso,
Esperas o quê, que vá ter contido e me sente do teu lado, fingindo
Que ainda consigo sentir, já não há palavras que me movam,
Os meus poemas são rastos de lesma, viscosos, a minha almofada de tarde,
Quando acordo, depois de encher mais um saco de latas de cerveja vazias,
Devo ter morrido pelos menos cinco vezes e ainda não fiz nada desta vida,
Acordar, outra vez, todos os dias, este que nunca se resgatará ao passado,
Nem gás há nesta casa para poder escrever sobre bilhas,
Tudo quente como num fim de vida, quando lá fora tudo chumbo,
Cansaço antes de abrir a porta e sair, porque acabou o papel-higiénico,
Agora levanto-me e vou ao frigorífico buscar mais uma lata,
Enquanto a vida acaba, mas a que tinha sabor já acabou, continuo a mascar,
Contando que ainda haja açúcar na lata da avó, ou encontre inesperadamente,
Debaixo de uma mesa ou cadeira, algo anónimo e quente que me desperte,
Como as casas de banho daqueles bares quando ainda ardia algo dentro
E achava que era tudo para poemas futuros, mas o futuro sem dedos suficientes
Para tanta fome, tanto dente cravado na vida, uma lata vazia, mais uma, como eu.
Turku
21.02.2020
João Bosco da Silva
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