quarta-feira, 26 de agosto de 2020


Coire Ansic

Os olhos estão pousados sobre a máquina de escrever que não uso há anos,
Não é que já não te ame, é que já não sei o que isso é,
Não me arrependo dos lábios que sujei, nem dos que abandonei,
Tudo me trouxe a este vazio, tudo me levou ao sonho que nunca foi o meu,
Estive em tantas distâncias que não me pertenceram, só aí me encontrei,
Nas areias escuras de praias primitivas, em templos de deuses estranhos,
Engolindo águas tropicas, queimado pela miséria de tardes equatoriais,
Bebendo novas estrelas, cuspindo os sonhos que já não cabiam em mim,
Roncando na carne que me deitavam na masseira e já me esqueceu,
As paredes vazias e o silêncio continuam a ser a minha companhia mais fiel,
Posso dizer que conquistei o vazio, as manhãs amargas, o esquecimento de muitos,
Custa tanto a amanhecer, como um deus antigo que só já existe numa palavra
Intraduzível, quem dá corpo à nossa distância, quem nos lembra e nos
Salva do esquecimento que semeamos na solidão que nos sufoca as madrugadas,
Será que amanhã acordarei uma vez mais, menos eu, ou num corpo
Com cada vez menos tempo para me agarrar e dizer que fui aquele que poucos lembram?

26.08.2020

Turku

João Bosco da Silva

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