Coire Ansic
Os olhos estão pousados sobre a máquina de escrever que não
uso há anos,
Não é que já não te ame, é que já não sei o que isso é,
Não me arrependo dos lábios que sujei, nem dos que
abandonei,
Tudo me trouxe a este vazio, tudo me levou ao sonho que nunca
foi o meu,
Estive em tantas distâncias que não me pertenceram, só aí me
encontrei,
Nas areias escuras de praias primitivas, em templos de
deuses estranhos,
Engolindo águas tropicas, queimado pela miséria de tardes
equatoriais,
Bebendo novas estrelas, cuspindo os sonhos que já não cabiam
em mim,
Roncando na carne que me deitavam na masseira e já me
esqueceu,
As paredes vazias e o silêncio continuam a ser a minha
companhia mais fiel,
Posso dizer que conquistei o vazio, as manhãs amargas, o
esquecimento de muitos,
Custa tanto a amanhecer, como um deus antigo que só já
existe numa palavra
Intraduzível, quem dá corpo à nossa distância, quem nos
lembra e nos
Salva do esquecimento que semeamos na solidão que nos sufoca
as madrugadas,
Será que amanhã acordarei uma vez mais, menos eu, ou num
corpo
Com cada vez menos tempo para me agarrar e dizer que fui
aquele que poucos lembram?
26.08.2020
Turku
João Bosco da Silva
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