sábado, 4 de setembro de 2021

 

À Beira deste Mesmo Rio

 

“Estamos todos habituados a morrer de quando em quando e tão pouco a pouco que o que acontece é que estamos cada dia mais vivos.Infinitamente velhos e infinitamente vivos.”

Roberto Bolaño

 

À beira deste mesmo rio, vinte anos atrás,

Levei ao fim a luta de um velho com o seu destino escorregadio,

O choupo onde me encostei foi cortado e vendido ou queimado,

Outros tomaram o seu lugar e fingem uma mesma sombra,

Como a água a mesma e eu o mesmo, apesar do pó

Acumulado em duas décadas, sobre um espírito que despertava,

Ainda tão próximo daquela felicidade sem nome da infância,

Sinto na pele, que não voltará a ser jovem, a picada familiar

De um moscardo, de uma geração tão distante daquela segura era,

Não irei reler aquele livro, trago comigo outro escrito por quem

Há vinte anos vivia ainda, a ninguém é dado o tempo que merece,

Há quem mereça a eternidade das árvores, há quem não mereça sequer

A breve vida de um moscardo que a minha palma esmaga,

Tudo é injusto e inútil, contudo, à beira deste rio, quase parece

Possível tocar a eternidade, num lugar onde se deixou a felicidade

E ainda é possível regressar, outro, vinte anos depois.

 

Cidões

 

12.08.2021

 

João Bosco da Silva

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