Aquela Noite em Montmartre
És jornalista, perguntam-me no Café des 2 Moulins,
Eu no quarto charnonnay, moleskine aberto sobre a mesa,
A procurar uma linha que me ligue ao que fui,
Tentar fazer sentido com a passagem do tempo
E o continuar a ser o mesmo, sem o ser, a tua presença,
Por exemplo, quando não te vejo há uma década,
És jornalista, quando no dia anterior, no Le Wepler,
A empregada me perguntava com sotaque francês
Se era um actor e eu a julgar que tinha adivinhado
A minha linha de trabalho, digo que não, antes fosse, talvez
um dia
E eu, espero que não, lá vieram as ostras e o Sancerre,
Quem lhe teria sido, nunca o saberei, agora jornalista,
Digo-lhe que não, que sou espião russo,
Dizem-me que todos são bem-vindos, afinal é Paris,
Montmartre, por fim confesso que, aquele caderninho,
É o alívio para a minha solidão constante, mesmo num café
cheio,
Uma das duas perdeu logo o interesse, mesmo sem mencionar
Ser poeta, que é quase o mesmo que ser sozinho,
Num bar cheio, com um caderno a desenterrar o passado
Em páginas vazias, um jornalista da mitologia pessoal,
Tinha deixado a página numa vírgula, logo me tornei
inconveniente,
Parte a segunda também, desiludida, no canto em silêncio,
Era tudo o que me imaginavam, até me revelar real, apenas
Um rabiscador solitário, entrando na noite, um copo atrás do
outro.
14.07.2022
Turku
João Bosco da Silva
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