sexta-feira, 24 de maio de 2024

 


Alva

 

Que sei eu filha, das linhas que unem as estrelas,

Só tenho a certeza dos teus olhos

E do abismo que um futuro encerra,

A vida é isto apenas e chega, um choro, um sorriso,

Tudo entre a primeira e a última vez de tudo,

Que os sonhos te levem sempre à primavera

E as flores te sejam testemunhas

Da pequena luz que te pulsa no peito.

 

24/05/2024

 

Turku

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 23 de maio de 2024

 

Lento o Verde Regresso

 

Sorri verde o musgo como se a distância

De outros equinócios um esquecimento,

No granito sente-se ainda o peso dos dias curtos,

O céu parece ignorar o canto desesperado

Dos que fazem ninhos no que parece

O regresso de um outono, não fossem

As hepáticas desmentirem a cor do húmus,

Acabado de revelar como quem acorda

Depois de ter confundido o sono com a morte,

Secará também o charco, mas já os rebentos

Serão a promessa de mais uma queda.

 

28/04/2024

 

Turku

 

João Bosco da Silva

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Caminhante


Encontrar na cadência inesperada dos solitários passos

O ritmo nos dedos que se resignam aos bolsos

As palavras como aves musicais nos cabos de alta-tensão

Agarram-se as pedras negras às circunvolucões das solas

Um remoer de versos enquanto não se puxa de um papel

De um momento precipitante onde se revela

A natureza verdadeira do silêncio e dos olhares.


10/05/2024


Turku


João Bosco da Silva

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Bucólica


Tocar na eternidade aparente dos interstícios,

Numa certeza impossível e húmida,

Abundante, o crespo restolho, é sol de Junho,

A prontidão que leva a mão à fonte

E subitamente na face, uma nuvem densa e quente,

Não há bocas que satisfaçam tanta fome seminal,

Lá se encontram os olhos nas suas perdições. 


Turku


08/05/2024


João Bosco da Silva 


quarta-feira, 1 de maio de 2024

 

Maio 

 

Na seiva desesperada das árvores dormentes, 

Correm agora os pântanos, as ilusões despertas 

Pela persistência do sol, apresentam-se os rebentos 

Aos hinos das aves, contudo há amores que não regressam, 

Escondidos nas vergonhas de raízes curtas, 

Ecoando em cada folha seca que a nova erva levanta, 

Dormir torna-se numa náusea breve interrompida 

Por sonhos de pálpebras rubras, convergentes nos desejos que subsistem,

As crianças riem ao sol e eu já não as invejo,

Vontade apenas, de musgo, terra nas unhas

E os joelhos encardidos pelo peso da inocência. 

 

Turku 

 

01/05/2024 

 

João Bosco da Silva