segunda-feira, 22 de setembro de 2025




Mais do Mesmo - Haikus

 

Tua

 

A pele do futuro

coberta de cinza –

Agosto em Portugal.

 

Quando beberei

deste sol

que agora me queima?

 

À beira do rio

conspurcar outro corpo

com a minha vontade.

 

No ar o cheiro

dos tomates podres

que ninguém colheu.

 

Enquanto o sol dá

os últimos retoques

um pardal à sombra.

 

As paredes caiem

mas as uvas

amadurecem.

 

Encostado à parede da estação

trabalha à sombra

o cara de sapo.

 

Depois da peregrinação

às três capelinhas

sento-me e descanso.

 

Do cimo da fraga

vejo tudo

o que tenho que ver.

 

Do alto da fraga

a gente tem

um tamanho mais real.

 

Sentado na fraga

escrevo um poema

e toco harmónica.

 

No papel seco

marca de batom

de beiça de cu.

 

Dos antigos amores

apenas permanecem

as memórias e o granito.

 

Cidões

 

É mais fresca

a sombra

do velho castanheiro.

 

Torre de Dona Chama

 

Quais os bandidos

preferem os figos

fumados?

 

Que silêncios

afugentam

as aves?

 

Pousa no telhado

da casa abandonada

um bando de pombas

 

Põe-se o sol

aos poucos um inferno

amanhece nos montes.

 

Com a barriga cheia

de amoras maduras

custa menos partir.

 

Agosto 2025

 

João Bosco da Silva

 

 


terça-feira, 16 de setembro de 2025

 


Arde o Passado

 

“Aún enloquecen

aquellas madres en mis venas.”

António Gamoneda

 

Quantas mães desperdicei pelo meu gosto

Àquele brilho de esperma ao luar

Sobre a humilhação da pele

À convulsão do prazer,

O orgasmo é um abismo do qual se acorda

Para um arrependimento peculiar,

Agora sonho e sonham

Numa medida proporcional aos secretos desejos

Que os olhos aprenderam a esconder

Com o peso dos anos e a vergonha evidente dos espelhos,

Querer é um livro por abrir que ficará a meio,

Tudo não passa de um incêndio a frio

Numa noite de promessas ignoradas

Pela definitiva despedida.

 

Torre de Dona Chama

 

20/08/2025

 

João Bosco da Silva

 


Regressar

 

Como se regressa ao que já não é o mesmo,

Só as pedras permanecem ainda,

Os gatos apenas uma companhia na memória,

Os cães um nome e pouco mais, tomates, feijões,

Batatas, o que quer que se tenham tornado,

Tudo comida para vermes, só as fragas mantêm

A mesma forma, o musgo mais ou menos verde,

Ou queimado, regressar é sempre uma ilusão

Que impingimos àquele que também já não somos.

 

No ar

 

18/08/2025

 

João Bosco da Silva

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

 


Folhas Caídas

 

I

 

Às vezes, simplesmente, por muito que se espere,

As folhas não caem das arvores, Setembro ainda tarda,

Apesar do fresco, da mão fechada e do livro pousado

À espera, longe, será o último, serei eu ainda,

E as folhas continuam a esconder o sol, quando só ao sol

Os ossos aquecem, duas velhas, não como eu,

Velhas mesmo, sentam-se na mesa ao lado,

Brindam com dois copos de cerveja e dizem,

Gozemos agora, e comentam que fulano e tal,

Com setenta anos, ainda vive, e as folhas continuam

A amarelecer até um dia, como hoje,

Hoje que não és tu a conduzir, diz uma das velhas.

 

II

 

O balanço das flores ao vento nórdico de Agosto,

Ou o lambiscar das moscas na mesa pegajosa

De uma esplanada, florir deixou de ser uma certeza,

O sol, esse, haja chuva ou não, lá estará,

Até que todas as ilusões civilizacionais se apagarem,

Como eventualmente o sorriso de todos os bebés,

A inocência de todas as crianças, a dureza relativa

De todas as pedras, um aperto na próstata e uma cega

Que não dá com o cinzeiro, tudo é triste, se houverem

Olhos que realmente vejam, até o primeiro sorriso,

O primeiro de algo que um dia último.

 

08/08/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

sexta-feira, 12 de setembro de 2025




Ciclo de Krebs

 

Na tua boca o esperma inconsequente dos dias,

Uma fartura de mel e leite nas manhãs azedas,

As folhas apodrecem com a mesma vontade dos homens,

Agarram-te as garras de uma vontade estéril,

Como o é a luz sem a promessa da podridão,

Choves cá dentro, tantas foram as vezes em que

Me deixei cair num colapso de abismo por ti adentro,

Foram tantos os futuros que não chegaram,

Brilhará ainda no silêncio dos teus lábios

A confusão que fomos enquanto a lua decidia quem seria

O último a arrancar o olhar da despedida,

As folhas despegam-se como um lenço de papel

Atirado à pressa pela janela, contudo este é

O primeiro Outono que vejo como aquilo que é,

Não o fim de um ciclo, mas o início de uma renovação.

 

12.09.2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva