Carta Ao Filho Que Nunca
Escreves sobre a dor dos espinhos da rosa no coração,
A dor do coração quando não dizem que eu também.
Escreves sobre uma dor sem ausência do prazer,
Uma dor que só da ausência é filha,
Uma dor ignorante, ignorante do doce que nunca provarás.
Escreves com a inocência de quem pensa que é especial
Por escrever, por ser poeta e tão jovem,
Ignorante de que há tantos idiotas como tu,
Com as mesmas dores sem presença,
As mesmas esperanças sem futuro,
Com as mesmas palavras a tentar ilustrar o que vai dentro,
Dentro e que a ninguém interessa.
Escreves para ti e para as rosas,
Como se isso lhe tirasse os espinhos,
Como se ao escreveres tocasses a pele de alguém.
Só tu realmente sentes o que realmente querias dizer que sentias
E isso a ninguém interessa,
Nem às rosas a quem escreves.
Não te irás picar nos espinhos só com palavras.
Escreves e deixas o que realmente sabes fazer,
Que é viver e fabricar memórias para um dia teres saudades
Quando cabelos brancos e netos a pensar que és um velho,
Que nada sabe da vida. Nada sabes da vida.
Deixaste de ser o primeiro, o primeiro a entrar, a saborear,
Tremer com a novidade tão excitante que parecia que ias explodir.
Deixaste isso para ser o único idiota, entre tantos idiotas,
A escrever porcarias que nem a ti te interessarão no futuro.
Escreves sobre a dor. Nada sabes sobre a dor.
Escreves sobre lábios que nunca beijaste
E deixas secar a tua saliva naqueles que ainda te esperam.
Escreves sobre uma morte que nunca viste,
Nem a tua que nunca irás ver, nem a dos outros.
Nada sabes sobre a morte.
Agora escreves sobre as árvores que não há porque semáforos,
Semáforos em todo lado a controlar o passo apressado
Que nem te deixa respirar o ar pesado pelo fumo, tanto fumo.
Agora escreves sobre saudades, porque as saudades deixaram de ser os tios,
Que só em Agosto vinham do estrangeiro,
Escreves sobre saudades porque tens saudades de semana ou mais,
Dos teus pais que estão tão longe ali ao lado, da lareira porque nem é preciso,
Do caminho até à escola com o amigo de todos os dias,
Sempre e agora só ao fim-de-semana, quando ele também está,
Da gente que conhece o significado do teu nome,
Dos fracassos da vida que ficou e dos medos que hoje tão ridículos.
Agora escreves sobre o mesmo amor que não conheces.
Nada sabes sobre a saudade.
Escreves sobre a tristeza que sentes dentro
Por estares fechado nas paredes desconhecidas de um quarto pequeno
No meio de uma cidade que parece querer cair-te em cima,
Porque tu nada sabes sobre nada.
Escreves sobre a tua tristeza, que a ninguém interessa porque a deles chega.
Escreves o quanto sentes falta do fácil que era a vida.
Nada sabes sobre a vida.
Escreves ou tentas escrever algo novo,
Ignorando que tudo o que faças será uma colagem de retalhos,
Uma cópia à tua maneira, uma tentativa de criar algo real,
Quando o real já existe e não pode ser criado.
Tentas ser verdadeiro e profundo, mas só conheces a tua verdade e a tua profundidade,
Pelo menos a que conheces de ti,
E nem essa. Nada sabes sobre ti.
Escreves sobre os mundos que crias e deixas para o nada devorar,
Escreves sobre as vidas que vives e que não ficam na vida,
Escreves para acumular o sem sentido que te preenche
Em palavras que ninguém quererá ler, nem isso te interessa,
Apesar da ilusão que um dia, mas nunca um dia.
Nunca serás alguém.
08.02.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
Escreves sobre a dor dos espinhos da rosa no coração,
A dor do coração quando não dizem que eu também.
Escreves sobre uma dor sem ausência do prazer,
Uma dor que só da ausência é filha,
Uma dor ignorante, ignorante do doce que nunca provarás.
Escreves com a inocência de quem pensa que é especial
Por escrever, por ser poeta e tão jovem,
Ignorante de que há tantos idiotas como tu,
Com as mesmas dores sem presença,
As mesmas esperanças sem futuro,
Com as mesmas palavras a tentar ilustrar o que vai dentro,
Dentro e que a ninguém interessa.
Escreves para ti e para as rosas,
Como se isso lhe tirasse os espinhos,
Como se ao escreveres tocasses a pele de alguém.
Só tu realmente sentes o que realmente querias dizer que sentias
E isso a ninguém interessa,
Nem às rosas a quem escreves.
Não te irás picar nos espinhos só com palavras.
Escreves e deixas o que realmente sabes fazer,
Que é viver e fabricar memórias para um dia teres saudades
Quando cabelos brancos e netos a pensar que és um velho,
Que nada sabe da vida. Nada sabes da vida.
Deixaste de ser o primeiro, o primeiro a entrar, a saborear,
Tremer com a novidade tão excitante que parecia que ias explodir.
Deixaste isso para ser o único idiota, entre tantos idiotas,
A escrever porcarias que nem a ti te interessarão no futuro.
Escreves sobre a dor. Nada sabes sobre a dor.
Escreves sobre lábios que nunca beijaste
E deixas secar a tua saliva naqueles que ainda te esperam.
Escreves sobre uma morte que nunca viste,
Nem a tua que nunca irás ver, nem a dos outros.
Nada sabes sobre a morte.
Agora escreves sobre as árvores que não há porque semáforos,
Semáforos em todo lado a controlar o passo apressado
Que nem te deixa respirar o ar pesado pelo fumo, tanto fumo.
Agora escreves sobre saudades, porque as saudades deixaram de ser os tios,
Que só em Agosto vinham do estrangeiro,
Escreves sobre saudades porque tens saudades de semana ou mais,
Dos teus pais que estão tão longe ali ao lado, da lareira porque nem é preciso,
Do caminho até à escola com o amigo de todos os dias,
Sempre e agora só ao fim-de-semana, quando ele também está,
Da gente que conhece o significado do teu nome,
Dos fracassos da vida que ficou e dos medos que hoje tão ridículos.
Agora escreves sobre o mesmo amor que não conheces.
Nada sabes sobre a saudade.
Escreves sobre a tristeza que sentes dentro
Por estares fechado nas paredes desconhecidas de um quarto pequeno
No meio de uma cidade que parece querer cair-te em cima,
Porque tu nada sabes sobre nada.
Escreves sobre a tua tristeza, que a ninguém interessa porque a deles chega.
Escreves o quanto sentes falta do fácil que era a vida.
Nada sabes sobre a vida.
Escreves ou tentas escrever algo novo,
Ignorando que tudo o que faças será uma colagem de retalhos,
Uma cópia à tua maneira, uma tentativa de criar algo real,
Quando o real já existe e não pode ser criado.
Tentas ser verdadeiro e profundo, mas só conheces a tua verdade e a tua profundidade,
Pelo menos a que conheces de ti,
E nem essa. Nada sabes sobre ti.
Escreves sobre os mundos que crias e deixas para o nada devorar,
Escreves sobre as vidas que vives e que não ficam na vida,
Escreves para acumular o sem sentido que te preenche
Em palavras que ninguém quererá ler, nem isso te interessa,
Apesar da ilusão que um dia, mas nunca um dia.
Nunca serás alguém.
08.02.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
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